terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Angel City

Deserto de Almas

A dramaturgia de Sam Shepard regressa aos palcos da capital com Angel City, numa produção d´A Barraca, encenada por Rita Lello. Uma comédia negra acerca da Hollywood dos grandes estúdios, que propõe uma reflexão inquietante sobre as fragilidades da condição humana.

Apesar de escrito na década de 1970, e ser considerada uma peça menor no reportório do dramaturgo norte-americano Sam Shepard, Angel City parece ter ganho com o passar do tempo uma dimensão muito mais premente do que aquela que lhe foi reconhecida à época. Como parábola ao poder que de cima se impõe aos seus súbditos, a acção da peça desenrola-se numa penthouse sobre a “cidade dos anjos”, onde numa grande janela (ou tela de cinema) se projectam imagens povoadas por personagens aprisionadas nas suas próprias ambições, quase despojadas de identidade, que funcionam como “amostra de uma sociedade voraz e autofágica”, o que, nas palavras da encenadora Rita Lello, confere ao texto de Shepard uma “radical universalidade”.
Numa análise focalizada, a peça é um olhar corrosivo ao modo depredador como os grandes estúdios de Hollywood exercem as suas lógicas de mercado sobre os argumentistas, afectando “uma forma de arte legítima” [Sam Shepard] como é a escrita para cinema. Algo que hoje, perante todos os vícios da produção de filmes em Hollywood, parece ganhar uma ainda mais evidente actualidade. Num sentido mais lato, Angel City propõe uma reflexão sobre as vicissitudes do processo criativo perante a incapacidade de resistência humana ao desejo de dinheiro e poder.
As personagens são prisioneiras das suas próprias ambições, subjugadas ao poder de Wheeler, um empresário da indústria de cinema, que não se coíbe em afirmar “Eu sou o negócio, Eu estou no cinema; Eu planto imagens nas cabeças das pessoas… eu espalho-lhes a doença; Eu tenho esse poder”. Aparentemente longe de se deixar engolir pelo deserto de valores que rodeia Wheeler (Ruben Garcia) e os seus acólitos, Rabbit Brown (Sérgio Moras), um jovem argumentista fora do “sistema”, é desafiado a salvar um filme que personifica toda a ambição desmedida do empresário. A grande dúvida é saber até quando o artista conseguirá suportar as suas próprias fragilidades e não sucumbir à irresistível avidez do poder.


foto de João Carvalho

artigo publicado na edição 193, de 3 de Janeiro de 2011, da Lisboa Cultural

domingo, 5 de dezembro de 2010

A reserva moral da Nação e as opções de classe

Os cenários de crise profunda têm quase sempre a virtude (e a tragédia) de revelar, com uma lucidez progressivamente impressiva, o estado de decrepitude em que os povos mergulham. Hoje, e no confronto com uma crise económica e financeira, clarificam-se opções pretéritas e, inevitavelmente, as suas repercussões acabam por pôr a nu a crise do regime político, a decadência moral das elites e o estado de insatisfação de um povo. Sem recusar o determinismo histórico e as consequências futuras desta conjuntura, parece ser cada vez mais evidente que a verdadeira crise está agora a impor-se e que as suas réplicas vão progressivamente fazer cair as máscaras nos tempos próximos, o que conduzirá necessariamente à mudança e à ruptura. Mas, isso levar-nos-ia por um outro caminho que aqui não se pretende, para já, explorar.
A crise portuguesa ainda não está integralmente interiorizada, independentemente da percepção cada vez mais flagrante de que a nossa vida não mais voltará àquilo que foi nos últimos anos. Os sinais são evidentes, até no discurso popular e nas manifestações de insatisfação quase generalizada, demonstrada, a exemplo, de um modo activo na última greve geral ou até nesse preocupante e explosivo estado de anomia em que os portugueses parecem submergir, mesmo quando são atacados por todos os lados. Até porque, à semelhança dos santos com pés de barro, também o regime vai tentando criar representações que incorporem uma reserva moral para resistir e manter no silêncio das “inevitabilidades” uma legitimação popular. Precauções, antes que estale e se esboroe em mil pedaços, em nome de evidentes opções de classe.
A actual reserva moral da Nação, segundo os fazedores de opinião do País, é bem sintomática do estado de decadência deste nosso povo peninsular. O seu nome é Aníbal Cavaco Silva, ex-Ministro das Finanças, ex-Primeiro Ministro, actual Presidente da República e, uma vez mais, candidato a Chefe de Estado para que, imagine-se o desplante, continue a fazer com que as coisas não fiquem pior do que estão. Para se ser esta “reserva moral” em quem os portugueses confiam é necessário que o santo pareça autêntico e que as décadas de responsabilidade na governação do País se tornem matéria de mistificação, conduzindo mesmo a personagem à negação daquilo que efectivamente é: o político profissional português com mais anos em cargos públicos de relevância executiva e governativa.
Perante a encarnação em Cavaco Silva da figura de inevitável “reserva moral da Nação”, é difícil não sentir que o País se encontra numa crise ainda mais profunda do que aquela que os dados da economia apontam. A nossa própria tendência sebastianista na espera daquele que nos guia, leva-nos a perdermo-nos no nevoeiro enleante que resguarda quem obrigatoriamente devíamos reconhecer. E, esta acaba por ser a maior tragédia deste povo, mesmo em tempos de crise. Cavaco Silva aparece nas sondagens como vencedor das Presidenciais do próximo ano logo à primeira volta, e toda uma máquina de propaganda eficazmente oleada, branqueia com uma impunidade imoral as suas responsabilidades, como se debaixo daquilo que diz não poder controlar tivesse as mãos limpas. Como as de Pilatos, acrescentaria.
A classe que aposta em Cavaco Silva e arrasta os portugueses com ela personifica este inefável e destrutivo “centrão” que corrói Portugal. A reserva moral que elegeram é a mesma que, impávida e serena, ataca o povo português com a austeridade e não age quando se procura justiça e equilíbrio nos sacrifícios pedidos perante as ameaças externas, personificadas pelo grande capital financeiro internacional e pelo directório de interesses que domina a União Europeia. É um autêntico mundo ao contrário, onde ninguém ousa julgar à luz da lei a redução de salários nem os milhares de despedimentos fraudulentos, mas que brada um aqui d´el rei se os “princípios jurídicos” forem violados na taxação de milhões de euros aos accionistas das grande empresas.
A opção de classe – e, importa nestes tempos difíceis não temer o uso de termos que, efectivamente, se procuraram diluir na espuma das decadentes sociais democracias europeias – ficou bem vincada na última quinta-feira, no Parlamento, quando uma proposta do Partido Comunista Português, visando penalizar o estratagema usado pelas maiores empresas nacionais cotadas em bolsa na antecipação da distribuição de dividendos aos accionistas, foi chumbada. Com a anuência dramática da bancada do Partido Socialista (foram precisas hábeis jogadas de bastidores, e até mesmo a chantagem, para que a proposta não fosse votada favoravelmente), a fuga ao fisco de milhões e milhões de euros foi legitimada, mascarada prontamente com as opiniões dos seus fazedores nas fronteiras da legitimidade do ordenamento jurídico tributário vigente em Portugal.
Miséria de imprensa
O caso do chumbo à proposta do PCP foi louvado em Editorial, na edição de sexta-feira do jornal Público. Intitulado “A lei é dura, mas não deixa de ser lei”, começa com um lead bem elucidativo da manobra de legitimação do sentido de voto da direita parlamentar, constituída por PS, PSD e CDS: “Mais importantes do que os valores morais, o que deve ser atendido na antecipação dos dividendos é a lei”. O texto prossegue aflorando o conflito entre “uma certa visão da moral pública e o primado da lei num Estado de Direito”, conduzindo o leitor para a imperiosa necessidade da “universalidade da lei e da igualdade dos cidadãos face às suas imposições”. Para concluir, podemos ler uma frase bem à medida do beijo à mão do dono (por acaso o Grupo Sonae): “Pode não ser a solução mais simpática num país onde a maioria dos cidadãos foi condenada a perder rendimento; mas qualquer iniciativa legal feita à medida para a travar poderia ter ainda efeitos mais nefastos”.
No seu estilo de ultra-liberal ressabiado, o antigo director do mesmo jornal, José Manuel Fernandes assina, numa pequena caixa, o seu contentamento face ao chumbo da proposta comunista, tido como uma boa notícia porque “por mais popular que fosse a proposta – em Portugal é sempre popular taxar os supostos ricos a torto e a direito… –, ela corresponderia à violação de um princípio básico de estabilidade do quadro legal fundamental ao exercício de qualquer actividade económica”. Numa analogia ao grupo económico do patrão, Fernandes remata: “porque a decisão de taxar os dividendos das SGPS é idiota e só as levará a mudarem as suas sedes para outros países, nomeadamente para a Holanda”.
O que não deixa de ser interessante nesta incondicional defesa dos princípios jurídicos do Estado de direito pela parte dos jornalistas que assinam estas colunas é o artigo da página 3 daquela edição do Público. Ali pode ler-se num antetítulo que os “Fiscalistas (estão) divididos sobre tributação” logo, as conclusões tão conclusivas do editorial do jornal e do “opinador” Fernandes parecem enfermar em excesso de zelo. Independentemente disso, o que interessa realçar é que com uma conivência imoral da nossa miserável imprensa, a moral pouco importa nestas questões. Noutras, nomeadamente naquelas que têm a ver com direitos de trabalhadores, o debate nunca atinge este nível de veemência na defesa do Estado de direito e nos princípios de defesa do ordenamento jurídico português.
Fica a dúvida para os portugueses se, perante uma indesmentível opção de classe por parte da direita parlamentar, a “reserva moral” da Nação não deveria ter uma palavra clara a dizer. Ou não fosse ela, segundo se diz, o próprio Presidente da República.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Greve Geral - Registos#5


24 de Novembro - Paços do Concelho - fotos: FB

Greve Geral - Registos#4



24 de Novembro - Edifício Central do Município - Campo Grande - fotos: FB

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Greve Geral - Registos#3

24 de Novembro - fotos: Agência Lusa/DN

Greve Geral - Registos#2

24 de Novembro - fotos i

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Greve Geral - Registos

Aeroporto de Lisboa - 23 de Novembro - fotos: Público

terça-feira, 19 de outubro de 2010

A América de Jørgen Leth

66 Scenes from America (1981) e New Scenes from America (2002), recentemente exibidos no Doclisboa, são duas abordagens absolutamente obrigatórias sobre as imagens e iconografias da América. Reflexos de um olhar quase sempre estático, conduzido em planos fixos, pacientemente contemplativos, resume, em cenas liminares que têm o condão, uma a uma, de contar uma pequena história, o fascínio imanente de uma América de arranha-céus e grandes espaços. Essa América tão omnipresente, tão familiar e pejada de produções na nossa retina e no nosso imaginário.
Depois, há Andy Wharhol a comer fast food do Burger King (a seco, porque, confessou o realizador ao público na passada segunda feira, ninguém se lembrara de comprar uma bebida) ou o barman do Sardi´s (bar de Manhattan que Leth escolheu por saber que por lá paravam Gena Rowlands e John Cassavetes) a demonstrar como se faz um bloody mary ou um dry martini. Pelo caminho, como num road movie, há uma viagem serena pela paisagem que recorrentemente evoca o génio de John Ford (Leth confessou ser um dos seus mestres), ou que mergulha no depoimento minimal de americanos comuns, ou que se fixa em pormenores da sofisticação inócua das imagens (a exemplo, a modelo loura dentro de uma limusina, com a Brooklin Bridge e Manhattan como cenário), ou que faz o retrato da paisagem material e humana da América profunda.
Vinte anos depois da primeira experiência, Leth, pressionado pelo seu câmara Dan Holmberg que mais uma vez o acompanhou, volta à América para uma sequela que resulta numa reconstrução revista e actualizada do primeiro filme. A marca da cultura pop subsiste, mas menos fulgurosa (ou apenas ainda mais familiar?). Nova Iorque continua sofisticada e ilusória; ainda tem o Sardi´s e, também, as torres gémeas (que haveriam de desaparecer antes do final das filmagens, não surgindo numa das últimas cenas do filme – por sinal, a única em que o plano não é fixo). A outra América aparenta permanecer quase igual, estática e imutável nos seus grandes espaços, nas estradas desfocadas pelo calor ou nas pequenas cidades do deserto. Até os cowboys resistem.
Nas New Scenes, já não há Andy Warhol himself, mas ainda há Robert Frank e Dennis Hopper em carne viva, e até Elvis e Marilyn, mas em papelão! Há a música de John Cale (o ex-Velvet Underground, porque para Leth, Wharhol era um deus, e Cale é como se fosse uma espécie de pedaço de deus que permanece aqui na terra), música amarga e dolente, como um requiem, surgindo a espaços. Porque afinal, há quem diga, e mesmo quem sinta, que a América toda perdeu a inocência no dia 11 de Setembro de 2001. Jørgen Leth ainda a captou, no dia em que a América a perdeu! (apesar de andar pela América profunda quando as torres cairam, dixit)

domingo, 10 de outubro de 2010

"Fab Four from Dublin"

Faz ainda algum sentido ser inocente ao ponto de vibrar com uma banda de rock´n´roll? Não sei, muito sinceramente, se sim se não, mas confesso que me continua a dar um gozo muito especial “agarrar” os U2 e tê-los comigo por perto. Talvez por isso, o concerto do último sábado, em Coimbra, foi memorável. Mais ainda, porque ali se sintetizou o reencontro pungente do poder libertador do rock com algumas das canções que fizeram a banda sonora da minha vida. Chamemos-lhe omnipresença, porque das entranhas da Irlanda católica só podia mesmo ter nascido algo divinal, e tal não se resume somente a Joyce ou a Becket, nem mesmo ao deus da contenda que a norte continua a fermentar discórdia.
Os U2 continuam a ser magnânimes. Eles existem para lá das polémicas com as posturas de “miss peace in world” de um certo Bono nos fóruns de Davos e afins, ou com os interesses algo obscuros que a marca U2 vai tendo no sentido inverso ao discurso proferido publicamente. Discurso esse que, sejamos francos, roça tantas vezes o pueril, por mais que muita gente, mundo fora, sinta Bono Vox e os seus companheiros como missionários do rock a contribuir para um mundo melhor. Não me apetece entrar por esse sinuoso caminho da controvérsia, até porque, à sombra dos dias, o que desejo é mesmo “a real glimpse of rock´n´roll”. E nisso, o mundo melhor dos U2 é, de facto, o da música que têm produzido ao longo de mais de 30 anos de grandes, muito grandes, canções.
Mais de duas horas no meio de uma multidão que arreigou os temas inconfundíveis que a guitarra de um tal de The Edge não deixa de sustentar incessantemente entre uma certa tradição popular irlandesa e os recursos ilimitáveis da música pop. A ele, juntam-se um Bono teatral q.b. (mas mais humanizado e despojado de artifícios do que havia visto na Pop Mart Tour, em 1997) e os metódicos, mas discretos, Clayton e Mullen Jr. Os quatro de Dublin produzem, como já vem sendo hábito nas últimas décadas, um dos maiores espectáculos do mundo. O resto, como é devido a uma banda chamada U2, cabe ao público.
E, numa Coimbra embalada entre a tradição centenária de cidade estudantil e a “garra” irlandesa coube mesmo a harmonia perfeita entre os que actuam e os que assistem. O que seria dos U2 se, ao invés da música, tivessem ido à universidade? A resposta dos fãs poderia ser, provavelmente, a de não terem sentido a emoção de cantar um clássico como I still haven´t found what I´m lookin´for perante o olhar dos seus criadores. Nem, de certo, continuaríamos a vibrar incessantemente com aqueles quase cinquentões que são, mesmo, a maior banda rock do mundo.

With or without you. Coimbra, 2 de Outubro.
foto e video: FB

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

A propósito da "Festa do Cinema Francês"


Poucas cinematografias no mundo se podem orgulhar de ter exercido uma tão forte influência sobre o cinema como a francesa. A França não só “inventou”, como teve o engenho de assumir as rupturas necessárias para projectar o cinema como forma plena de expressão artística. Da escola vanguardista dos anos 20 à nouvelle vague, nos anos 50 e 60, foram os franceses que criaram o realismo poético, que deu ao mundo obras tão influentes como A Atalante, de Jean Vigo ou A Grande Ilusão, de Renoir.
Após o fulgor da nouvelle vague, com cineastas maiores como Goddard, Trauffaut ou o recentemente desaparecido Claude Chabrol, o cinema francês foi acusado de entrar numa fase de decadência, reflexo da incapacidade de evitar a colagem de rótulos muitas vezes simplistas por parte do grande público. Sem cedências ao óbvio, a França continuou a produzir cineastas de primeira linha, dos quais se destaca, a exemplo, André Téchiné, homenageado com uma retrospectiva integral na 11ª edição da Festado Cinema Francês, que esta semana se inicia em Lisboa.
Numa altura em que os blockbusters produzidos em Hollywood dominam a exibição comercial um pouco por toda a Europa, a Festa do Cinema Francês dá a conhecer, em Portugal, novas obras e novas tendências de uma cinematografia que, tradicionalmente, ruma contra a corrente e que, quando não se rende ao facilitismo de fórmulas importadas, mantém uma coerência assinalável, seja por via dos novos talentos que despontam, seja pela constante reinvenção de cineastas já consagrados.

Texto para o editorial da edição 181 da Lisboa Cultural, publicada a 4 de Outubro

domingo, 26 de setembro de 2010

Porque lutar é um dever cívico

No próximo dia 29 de Setembro, a CGTP- Intersindical promove duas grandes manifestações em Lisboa e no Porto. As acções integram-se na jornada europeia de luta que terá como expressão máxima as duas grandes greves gerais marcadas pelos principais sindicatos da Grécia e da Espanha. Em causa, os planos de austeridade que se abatem sobre os trabalhadores de quase toda a Europa, sendo de sublinhar que é precisamente naqueles dois países que as medidas decretados pelos governos, sob pressão constante da União Europeia, incluíram um ataque directo aos salários, com reduções efectivas nos vencimentos dos trabalhadores (*).
Em Portugal, enquanto PS e PSD alimentam o folhetim do “mau” e do “vilão” (pois, já ninguém acredita no “bom” vindo de quem vem), uma extraordinária campanha vem sendo montada para que os planos de austeridade sejam agravados, provavelmente, ainda este ano. Basta-nos estar atentos às vozes do pensamento único que proliferam no campo mediático, com o chorrilho habitual dos comentadores, para perceber que está em marcha uma estratégia feroz de legitimação do agravamento da austeridade sobre os trabalhadores e o povo português. Escudados numa certa cobardia e num tacticismo puramente eleitoralista, nem o PS nem o PSD assumiram ainda a redução de salários na Administração Pública nem a cessação do subsídio de natal, porém, tudo se prepara para que o novo capítulo desta tenebrosa ofensiva inclua este tipo de medidas.
Interessa, portanto, desmontar com clareza esta estratégia de propaganda omnipresente acerca da inevitabilidade dos planos de austeridade. Não é inconsciência nem irresponsabilidade dos sindicatos oporem-se com toda a firmeza às soluções encontradas pelos governos para responder a uma situação que ninguém ousa considerar fácil de resolver. A crise existe de facto, e a situação agrava-se, mas é necessário não esquecer que, em 2008, a opção dos governos passou por injectar (muito) dinheiro dos contribuintes na salvação do sector financeiro. Em economias mais fragilizadas, como a portuguesa, a medida revelou-se desastrosa para as contas públicas e agravou naturalmente os défices. Os “riscos sistémicos” que justificaram a salvação de alguns bancos, e a injecção de capital público (ou seja, dinheiro nosso!) em todas as instituições bancárias, foi trágica, uma vez que arrastou outros sectores para uma crise profunda.
De modo a legitimar a atribuição de “prémios” aos agentes do agiotismo e da especulação que provocaram a crise, os decisores recorreram ao exemplo da “crise de 1929” quando os Estados deixaram falir bancos e as economias aprofundaram a crise. Assim, pôs-se em marcha um plano de salvação das instituições financeiras porque, alegadamente, continuariam a ser mantidas linhas de crédito para os outros sectores da economia. O resultado é sabido: os bancos acabaram por dificultar o crédito, estrangulando toda a actividade económica, e reforçaram ainda mais o seu poder económico e financeiro, tomando os Estados reféns dos seus próprios interesses. Um pouco por toda a parte, os lucros da banca aumentaram e os seus accionistas ficaram ainda mais ricos.
Em Portugal, uma economia periférica e debilitada pelos enormes fluxos de capital que se movimentam à margem da legalidade, o lucro cresce em tempos de crise, apesar do discurso da vitimização com que o sector financeiro vai abordando a opinião pública e o próprio Estado. Não deixa de ser curioso que, numa conjuntura tão adversa para os trabalhadores, a banca tenha o descaramento de evocar o preço do dinheiro nos mercados financeiros para justificar o garrote que impõe ao País após largos milhões de euros com que todos nós contribuímos para que os accionistas das instituições tenham amealhado os maiores lucros de sempre. O despudor continua com a situação a nível internacional: o Banco Central Europeu empresta dinheiro aos bancos privados a taxas de juro na ordem dos 2 %; por sua vez, a banca privada revende esse dinheiro a uma taxa de juro superior a 6% de juro a Estados como o Português, o que torna, de facto, toda esta situação insustentável.
Mantendo os privilégios do sector financeiro intocáveis e assumindo despudoradamente os interesses dos grandes grupos económicos, a União Europeia virou-se, sobretudo, para as economias periféricas da zona euro, impondo medidas de austeridade que se reflectem no trabalho, no emprego e no nível de vida das populações. Acessoriamente, assiste-se à tomada de parcelas de soberania dos Estados e ao ataque mais feroz contra direitos fundamentais do Estado Social de que há memória. Entendendo ao serviço de quem está a União Europeia, percebe-se que o caminho tem de ser de ruptura com este estado de coisas, imputando a austeridade aos obreiros da crise e, em primeira instância, reformando o sistema, através do ataque à economia paralela e aos mecanismos de fuga de capitais dos Estados.
Pela transversalidade social dos efeitos da austeridade, a jornada de luta europeia de 29 de Setembro assume-se como um momento decisivo no combate às políticas que conduziram, e se perfilam continuar a conduzir, à crise e ao empobrecimento os povos da Europa. A dimensão internacional do protesto é uma demonstração de revolta por uma situação limite, onde cada vez mais se reconhece o falhanço do projecto Europeu delineado em Bruxelas e as políticas neo-liberais exercidas pelos governos europeus, ao serviço dos interesses dos grandes grupos económico-financeiros.
Por tudo isto, a participação na jornada de luta de 29 de Setembro perfila-se como um dever cívico dos trabalhadores portugueses.


(*) Também a Irlanda prepara paralisações e manifestações, sendo que foi, recorde-se, o primeiro estado membro da zona euro a reduzir vencimentos a funcionário públicos.
fotos: FB

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Pôr do Sol

Primeiro de Setembro, em terra firme. Ou, o regresso a Lisboa que me anuncia invariavelmente o outono. Posso continuar a ter todo o tempo para mim sem pensar sequer nos afazeres do trabalho, mas soa-me sempre a domingo, aquele dia da semana em que penso mais na segunda que no sábado. E assim vou recordando o lento pôr do sol do tempo de férias. De preferência, sem ser em terra firme, com os pés na areia, vendo a espuma das ondas anunciar o princípio de todo um mar infinito. Como se o tempo não tivesse fim.

Foto: FB

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Um editorial sobre cinema

Foi preciso vir o meio de Agosto, e andar às voltas com a oferta cultural da cidade - que não sendo parca, é curta em novidades -, para decidir fazer, na próxima edição da Lisboa Cultural, um destaque ao cinema que se vai exibindo, por essa cidade fora, ao ar livre. Não tendo por hábito aqui publicar o que produzo no meu trabalho, decidi abrir a excepção. Porque é de cinema que se trata, transcrevo o Editorial da próxima edição (que só estará disponível na segunda-feira que vem).
Talvez, porque tenha sido, até agora, o Editorial que mais prazer me deu escrever, apesar de, semana após semana, lamentar não ter mais 250 palavras para lhes dar outra cor. Tiranias...

O cinema ao ar livre voltou a estar na moda. A tradição de projectar filmes ao ar livre em noites quentes de Verão parece ser, cada vez mais, um formato de sucesso, como demonstramos nesta edição da Lisboa Cultural. Escolhemos apenas três pólos de exibição de cinema que prometem animar o que resta de Agosto, e no caso das segundas feiras no Largo da Achada e dos fins de semana de Fitas na Rua, as noites de cinefilia ao relento prolongar-se-ão até Setembro.
Longe da lógica dos
blockbusters e das escolhas mais evidentes, as programações que destacamos apostam, sobretudo, no cinema de autor, convidando o público a reencontrar filmes que há uns anos atrás até seria possível ver, ou rever, em sala, nas muito aguardadas reposições de Verão. Hoje, perante o fenómeno do home cinema e da lógica cada vez mais perversa da rede de exibição comercial na qual programadores deram lugar a distribuidores, não há praticamente qualquer hipótese de reencontrar um clássico do cinema fora da sala da Cinemateca. O que é, no mínimo, lamentável.
Por tudo isto, os ciclos de cinema ao ar livre que lhe propomos recuperam também esse saudável reencontro com a memória do cinema. No Largo da Achada, passam as primeiras obras de grandes realizadores, incluindo as de cineastas portugueses como Fernando Lopes e Pedro Costa. Na itinerância do Fitas, podemos reencontrar um dos melhores filmes de David Lynch (Mulholland Drive) ou aproveitar, lá mais para a frente, para rever um clássico absoluto de Sergio Leone (O Bom, o Mau e o Vilão) ou o saudoso Belle de Jour, de Buñuel, que alguns da geração de 90 terão descoberto numa célebre reposição de Verão em cópia nova.
Em suma, desejamos-lhe bom cinema para o que resta deste Verão.

Em jeito de nota de rodapé, e ainda no âmbito da cinefilia, relembro que O Feiticeiro de Oz está de parabéns. E garanto que, 71 anos depois da estreia, continua a encantar... a minha filha mais nova já é fã e até sonha ter uns sapatos mágicos vermelhos como os da Dorothy.

sexta-feira, 30 de julho de 2010

António Feio

António Feio confessava combater a doença trabalhando; e assim o fez até ao fim, como se o teatro o prendesse à vida. Ao longo de uma carreira de 40 anos inteiramente dedicados à representação e à encenação, deu-nos momentos únicos e inesquecíveis. Fez-nos quase sempre rir, e mesmo quando as forças lhe faltavam, continuou a querer fazer-nos rir.

Vamos ter saudades, António.

terça-feira, 20 de julho de 2010

A Terrível Ofensiva

O cenário de crise em Portugal começa agora a promover um exponencial de derivas selváticas contra o Estado social que, governo após governo, tem sido vilipendiado imoralmente pela traição sucessiva (mas, aparentemente, legitima nos nossos regimes democráticos!) do contrato eleitoral. Como se não bastasse o neoliberalismo mais aberrante mascarar-se de “esquerda moderna” – basta pensar no fenómeno de Terceira Via que Giddens arquitectou para Blair e que tanta influência teve em Portugal no pós-cavaquismo – e introduzir algumas das mais nefastas medidas no ataque às grandes conquistas sociais do modelo europeu continental, a direita neoliberal, tão radical e destrutiva quanto qualquer outra, sente chegar o momento de arrasar em definitivo com o que ainda subsiste do modelo social-democrata que vingou na Europa Ocidental desde o final da II Guerra Mundial.

Curiosamente, e quando se percebe que a Comissão Barroso em Bruxelas se ancora cada vez mais nos poderes e ditames do grande capital financeiro, fortemente apostado em fulminar as periferias ou simplesmente exercer uma economia depredadora de meios e recursos nos países economicamente mais frágeis, o PSD de Passos Coelho dá voz nacional aos anseios desta tendência. Ao atacar princípios fundamentais contemplados na Constituição da República Portuguesa, o radicalismo neoliberal que o actual líder do PSD já não esconde propõe a destruição dos alicerces constitucionais do próprio regime democrático – através do reforço os poderes presidenciais –, do Estado social – através do princípio da universalidade e gratuitidade da saúde e da educação – ou dos direitos dos trabalhadores – promovendo a troca da “justa causa” agora inscrita por uma dúbia “razão atendível” como sustentação para os despedimentos.

O ataque subjacente neste projecto retira, em termos genéricos, a Constituição ao povo português, argumentando que a Lei Fundamental é a causa liminar dos atrasos estruturais do país. A legitimar muitos destes princípios tem estado toda uma intelligenzia regimental que oculta despudoradamente as causas da crise do capitalismo e remete para o Estado social o ónus do problema. Não surpreende pois que, ostentando a bandeia da modernidade e o princípio da responsabilidade, este anteprojecto de cariz marcadamente ideológico venha a colher entre nós alguma popularidade e a influenciar os obreiros da “esquerda moderna”. É, no fundo, apenas mais um elemento que encaminha o país para um futuro cada vez mais incerto e preocupante, talvez pensado num quadro mais vasto que o interno.
foto: i on line

domingo, 20 de junho de 2010

José Saramago


16 de Novembro de 1922 – 18 de Junho de 2010

Por ocasião dos noventa anos de Álvaro Cunhal, José Saramago publicou, na revista Pública, um texto em que falava sobre o “sentimento de orfandade que nos toma” quando pensamos em figuras da grandeza do líder histórico do PCP. Na passada sexta feira, pela hora de almoço foi a vez do próprio Saramago fazer encarnar esse sentimento de orfandade naqueles que o liam e desejavam continuar a lê-lo. Saramago morreu. Deixou de aqui estar.
Apesar de ser público que o escritor se encontrava doente e extremamente debilitado, foi impossível contornar aquele abalo invisível de quem prefere pensar que há homens que nunca morrem. Eu fui um desses. Um entre milhares, provavelmente!, que se sentiram trespassados por esse anuncio violento que os fez inanes. O sentimento de orfandade, carregado de um pesado vazio, entre a comoção e o desejo de evasão do momento, como se me falhasse um familiar ou um amigo próximo.
Saramago acompanhou (e continuará a acompanhar) muitas horas da minha vida com o seu maior legado: os livros. Vi-o, pessoalmente, penso que por duas vezes, ambas na Festa do Avante!, ainda antes do Prémio Nobel. O único livro que me autografou está aqui a meu lado, recordando-me perfeitamente estar a viver a ressaca de “O Ano da Morte de Ricardo Reis” quando se deu o encontro que resultou neste autógrafo - eu que não cultivo autógrafos nem superava a timidez perante quem tanto admirava.
Encontro num velho caderno da época (a que chamo “diário”) a narração do momento: reparei na presença do autor, comprei o livro e depois dirigi-me a Saramago com um conselho pueril, do tipo “Nunca deixe de escrever”, enquanto colhia na segunda folha, a tinta azul, uma breve mensagem – “a Frederico, com a simpatia de…”. Felizmente, demoraram muitos anos para que Saramago deixasse de escrever e aquele autógrafo único na minha biblioteca viria a ser a marca de um Nobel. A partir daí, colher um autógrafo de Saramago passou a significar horas de espera e não mais me cruzei presencialmente com o escritor.
Olhando para trás, talvez o Saramago escritor tenha deixado de ser tão interessante a partir do momento em que ganhou o Nobel. O Saramago cidadão (do mundo, ibérico sobretudo), esse sim, cresceu, libertou-se ainda mais, como se se soltasse. Tornou-se indomável, e se nem sempre com ele conseguíamos concordar, sabíamos que ali permanecia uma voz constante e interventiva desta pátria decadente, por mais que o acusassem de quase tudo. Portanto, com a morte de José Saramago, não se perde só o escritor de língua portuguesa mais notabilizado no mundo, perde-se também mais uma das “nossas” reservas morais. E isso, nos dias que correm talvez seja ainda mais trágico.
No final do polémico e controverso “Caim”, o seu último romance publicado, lê-se “A história acabou, não haverá nada mais que contar”. Duvido que assim seja, mas aquela foi, de facto, a última história que Saramago nos contou. Porque agora sim, parou de escrever.
foto: Fundação José Saramago

sexta-feira, 4 de junho de 2010

A Crise e os seus Artífices

A crise embala e chega ao país da crise perpétua, Portugal. Até porque apesar de poder ser, o ano nem sequer é de eleições. Rebuçados que sabem a presente envenenado, do tipo aumentos acima da inflação a funcionários públicos em ano de botar voto ou descidas subtis do IVA, servem para enganar papalvos e fazer render as más argumentações. Tem-se visto quando, por a mais b, a economia, essa ciência que lembra ocasionalmente a meteorologia mas com maior propensão de erro, vai dando indicações por encomenda e aponta o rumo certo para fazer pagar aos do costume o saque e o disparate.
Não é difícil elencar os artífices da desgraça, apesar do holofote se colocar quase sempre sobre os actores em palco. Sem absolver esses futuros beneficiários do mundo dourado da política portuguesa, lembro que Constâncio é hoje um dos vice-presidentes do Banco Central Europeu. Sampaio e Guterres gozam uma reforma dourada em instituições supranacionais de cosmética ético-política. Durão finge comandar ao longe a esburacada nau europeia. Depois há outros, os que brincaram à raspadinha da política nacional e descobrem o caminho da fortuna; o elenco é frondoso como uma árvore de patacas (muitas patacas!) e inclui criaturas como Jorge Coelho, Dias Loureiro, Cardoso e Cunha, Armando Vara, os fabulosos economistas da escola cavaquista, os juriconsultos que patrocinam verdadeiros assaltos aos dinheiros públicos, e etc. Todos eles pairando, como deuses no Olimpo, acima da triste crise da ralé.
Cá em baixo, no fosso submerso da nebulosa dourada, estão esses, os que trabalham para viver, se levantam cedo para enfrentar o trânsito, se locomovem em transportes apinhados, correm para apanhar os filhos em escolas sofriveis e ainda dormem sobressaltados pelo medo de perder o emprego ou que dinheiro que ganham não chegue para as despesas mais elementares. São esses os párias que pagam a crise ininterrupta do País; são os contribuintes de um Estado que os traí, que usa parte dos seus rendimentos para engordar a vaca dos vizinhos ricos que por sinal andam há décadas a arquitectar o edifício da crise.
Eles existem. Eles mentem nas televisões e nos jornais todos os dias. Eles fazem esquecer os factos de antes de ontem para legitimar a necessidade da austeridade sobre a arraia miúda. Eles silenciam os casos de corrupção e abuso de poder no desempenho de funções públicas que dezenas ou centenas de políticos fizeram perpetuar até se banalizar. Eles ocultam quantos beneficiaram interesses privados em detrimento dos interesses públicos. Eles não assumem que a banca e os monopólios privados parasitam há anos este País e o seu povo. Eles evadem-se de apontar culpas aos que estiveram no BPN ou no BPP. Eles não reclamam a necessidade de haver uma justiça onde também haja culpados… Eles olham-se no espelho; e a crise é nossa.

domingo, 9 de maio de 2010

O fim da Europa do sonho?


A crise que abala a Europa, com eventual epicentro na Grécia, revela, num primeiro momento, todas as fragilidades da União Europeia. Mas revela também, de forma inegável, os moldes em que se erigiu este projecto supra-estatal de Europa, sendo cada vez mais evidente o carácter tecnocrático e burocratizado das suas instituições. Considerando as fragilidades a que a crise do euro está a dar eco e os princípios institucionais (mas também ideológicos) que regem a máquina, a Europa enquanto projecto evidencia cada vez mais os sinais de que se estabeleceu contra os povos e os Estados europeus, sobretudo contra os menos poderosos e periféricos.
Com via aberta para se sobrepor a todos os interesses e aspirações dos povos e nações da Europa, o poder financeiro foi ditando a estruturação da construção europeia, evidenciando-se ainda mais a partir dos anos de 1990, quando o fim do bloco socialista abriu caminho para uma fase de destruição do Estado Social, que até aqui caracterizava o ímpeto social-democrata na Europa ocidental em contraponto ao socialismo. A evidenciá-lo está a constatação, sem exageros, de que os agentes financeiros privados e os seus braços especulativos são os verdadeiros donos da Europa, assegurando os destinos dos Estados e ditando as regras desde que a política e até mesmo a economia se demitiram de o fazer.

Mas o que esta crise anuncia, por mais que se consolidem planos e reformas messiânicas que passam, sem excepção e uma vez mais, por empobrecer as grandes massas de europeus, é o fim da grande ideia de prosperidade e riqueza que tornou a Europa, desde os finais da II Guerra Mundial, o continente no mundo onde melhor se vivia. Até quando se verificará essa qualidade de vida quando o que se avizinha são as lógicas mais destrutivas da voracidade dos interesses capitalistas? Sem pejo ideológico, talvez se recomendasse uma leitura de Lènine, mais concretamente o opúsculo “O Imperialismo – Fase Superior do Capitalismo”, para entender que os indicadores que levaram a Europa à guerra em inícios do século XX talvez comecem, de novo, a verificar-se. O próprio General Loureiro dos Santos tem no prelo um livro, intitulado “As Guerras que já aí estão e as que nos esperam”, que adverte sobre a profunda instabilidade dos tempos que vivemos, demonstrando com lucidez e pertinência algumas evidências que anunciam mudanças estruturais à escala mundial.

O sonho da Europa parece estar a definhar-se. Os tempos que aí vêm perspectivam inúmeros focos de instabilidade social e as receitas apontadas para salvar os anéis evidenciam um incremento cada vez mais violento e feroz do poder dos mercados sobre os Estados. A Grécia, que tanta tradição na vanguarda das ideias e do pensamento da humanidade imprimiu, anuncia o princípio de mundo novo em tempos cada vez mais incertos. Por este caminho tortuoso, estará louco quem não se mostre reticente quanto ao futuro.

domingo, 28 de março de 2010

Ali na Grécia, como aqui...

Para salvar o sector financeiro os Estados passaram cheques em branco. Com o dinheiro dos contribuintes! Hoje, a banca, braço do poder financeiro e sector charneira da crise, recuperou e assume-se com uma renovada força contra os Estados. E aí estão, os banqueiros saqueando-nos, seja pelas artimanhas do mercado, seja pela voracidade especulativa! Ali na Grécia, como aqui…
Reportemo-nos aos factos. O Goldman Sachs ajudou a Grécia, em segredo, a obter crédito no valor de milhares de milhões de euros. Depois, para contornar as sempre dúbias regras europeias que limitavam o nível da dívida pública, a firma de Wall Street aconselhou o governo de Atenas a recorrer a engenhosos artifícios contabilísticos e financeiros. Como resultado, a factura destes estratagemas adensaram a volumosa dívida grega. Num vergonhoso jogo de “quem ganha, quem paga”, um tal de Lloyd Blankfein, presidente da Goldman Sachs, recebeu um bónus de cerca de 10 milhões de dólares. E o resultado para os trabalhadores gregos resume-se à perda do equivalente anual a um mês de salário. Ali na Grécia, como aqui…
A Grécia parece estar agora nas mãos do governador do Banco Central Europeu, Jean-Claude Trichet, e não é estranho que este arauto da economia de mercado venha apelar à “vigilância intensa e quase permanente” da União Europeia. Ou seja, a Grécia vai ser forçada a renunciar à sua soberania económica para diminuir o défice de 12,7 por cento do produto interno bruto (PIB) em 2009, para 3 por cento em 2012. Ali na Grécia, como aqui…
Receita proposta pelo “socialista” primeiro-ministro: desvalorização dos salários da função pública em 10%; aumento da idade da reforma para os 67 anos; flexibilização das leis laborais e consequente incremento do trabalho precário e da liberalização dos despedimentos; extensão dos baixos salários a sectores cada vez mais vastos; continuação da privatização dos bens e serviços públicos. Ali na Grécia, como aqui…

segunda-feira, 22 de março de 2010

Alma Russa

Anton Tchekhov definiu, um dia, a essência da sua obra do seguinte modo: “Queria apenas dizer a todos, com honestidade e franqueza: observai-vos próprios, vede como é detestável e aborrecida a vida que levais! O mais importante é fazer com que os homens compreendam isto, pois caso aconteça hão-de criar, necessariamente, uma vida diferente, uma vida melhor”. Mergulhando no mundo de Nicolai Ivanov, um pequeno proprietário rural endividado, compreende-se que a angústia domina toda a sua existência. A mulher sucumbe à tuberculose e aqueles que o rodeiam vivem uma vida fútil, engrenada em pequenos vícios e ocasionais vigarices.

Nada na vida de Nicolai Ivanov parece significar luz ou redenção, nem a dedicação da mulher enferma que tudo sacrificou em prol do amor, nem a paixão secreta acalentada pela filha dos endinheirados Lebedev; a salvação de Nicolai já não é terrena porque tudo se resume à sua desesperada aclamação “Atormento-me! Toda a gente me atormenta”. Como se o caminho se definisse numa espiral de acontecimentos que fazem antever a tragédia em que culminará a sua vida. Nicolai está consumido pela culpa, perseguido por fantasmas alimentados numa consciência em crise, como alguém que, como ele próprio diz, se sente “esmagado pelos seus actos inúteis”.


excerto do texto publicado na Lisboa Cultural 153 - Ivanov está em exibição, até 27 de Março, no Teatro Municipal Maria Matos

domingo, 14 de fevereiro de 2010

O Pântano

Não estou a ser original. Já alguém no PS caracterizou, um dia, este país como um pântano. Provavelmente, a fórmula adjectivante ia bem mais além daquilo que supúnhamos. A última semana foi reveladora. E por mais que se lancem no ar as teses da cabala ou umas conspirações engenhosas, o nervosismo e o desnorte com que algumas das mais altas instâncias do país se expuseram demonstram o quanto tudo isto tem de pantanoso.
Há uns largos meses atrás, e na sequência de um badalado artigo do Bastonário da Ordem dos Advogados, escrevi sobre José Sócrates. Não fiz uma análise do político, longe disso. Debrucei-me, sobretudo, sobre o caso Freeport e aquilo que me parecia ser uma maquinação orquestrada por pessoas directa ou indirectamente ligadas ao governo PSD/CDS para atacar, primeiro, o candidato do PS, depois, o primeiro-ministro. Isto sem esquecer que o percurso político e pessoal do individuo José Sócrates não é propriamente dos mais recomendáveis.
De facto, quase tudo em Sócrates é turvo. À semelhança de uma parte considerável da actual classe política portuguesa, ali está representado aquele tipo de homem que se fez dentro da máquina do partido. As pessoas que o rodeiam representam o mesmo, logo, Sócrates é um igual entre os seus pares. Acções que ressoam a pequenas golpadas, enganos e truques, currículos imaginativamente forjados e algumas mentiras. Grave? Com certeza, mas para infelicidade do rumo do País, representam um pouco daquilo com que lidamos diariamente. Porque, infelizmente, a seriedade e a rectidão do carácter é coisa pouco usual nos dias que correm.
Cinco anos de poder, sem contar com seis anos de governação de António Guterres, tornaram o PS o partido que mais tempo liderou o País nas últimas duas décadas. A ocupação da estrutura governativa permitiu a promoção de novas elites políticas que foram ocupando a máquina estatal. Da estrutura governativa à justiça, passando pelos cargos de decisão intermédia, pela gestão dos interesses empresariais do Estado, pelas instituições de supervisão e entidades reguladoras, o Poder foi tomado por iguais entre iguais.
Enquanto cidadão comum, ao assistir a entrevistas como aquelas que o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça prestou às televisões esta semana, ao ler diariamente as páginas dos jornais, ao presenciar o silêncio ensurdecedor do Procurador-Geral da República, ao tomar conhecimento do afastamento de cronistas e jornalistas, ao receber mensagens no e-mail denunciando estranhas situações passadas em universidades públicas, entre tantas outras escandaleiras que por aí proliferam, sinto que o meu País foi tomado de assalto. Alegoricamente, e recorrendo a um plot de filme de terror, quem o tomou foi uma espécie de exército das trevas que o transformou num pântano. Será mesmo assim?

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Diz que é uma espécie de democracia...

... quando a informação é isenta e neutral.

Pois é! E isto não é uma defesa de Mário Crespo, nem quero que as minhas declarações a um jornal nacional figurem na página on-line da Fundação Sá Carneiro.
Aquilo que questiono é o porquê de uma manifestação tão considerável de funcionários da administração pública e local ser absolutamente relegada da agenda mediática.

Para não deixar dúvidas acerca destas breves linhas, vejam o i, o DN, o Expresso… isto, para não falar dos telejornais desta noite.
De facto, para mentes simplistas, poder-se-ia dizer que aquilo que os sindicatos querem é propaganda. Ora, qualquer grande agitação de massas deste género visa inscrever na opinião pública e na agenda políticas as reivindicações. Até porque só é possivel debater se a generalidade da opinião pública tiver em seu poder informação suficiente para o fazer.

Uma questão deixo no ar, transcrevendo Robert Dahl, um insuspeito teórico da democracia liberal: what underlying conditions favor democracy?

Usem o dicionário se preciso, mas reflictam… O que está em causa é a qualidade de uma democracia onde a informação é selectiva ao ponto de silenciar factos e acontecimentos. E este é um problema de todos nós, e não só deste ou daquele sector.

sábado, 23 de janeiro de 2010

O Europa


Temo que da Lisboa da minha infância, aos poucos, nada reste. Aquela velha Lisboa, renascida de Abril, tinha elementos absolutamente míticos para mim. Eram eles, os grandes cinemas, por sinal, heranças da ditadura.
Deslumbrava-me sempre quando, de automóvel, cruzava o Saldanha e me perdia no magnânime cartaz do Monumental. Recordo o Alvalade, onde vi, por exemplo, a “Música no Coração” numa reprise de verão. O Império, que há-de sempre ficar ligado a “Lawrence da Arábia”, filme que me fez sentir com areia nos pés de miúdo no final de uma matinée. O Pathé, onde a minha avó me levou a ver um filme da “Sisi” interpretado pela deslumbrante Rommy Schneider, uma das minhas paixões de tenra infância.

Disso, nada mais existe. O Monumental é um edifício dito moderno de gosto duvidoso e na memória registo melhor os tempos em que ali nada existia do que aquele tão belo cinema em que vi, entre outros filmes, o “Ben-Hur” (também numa abençoada reprise de verão). O Alvalade é hoje um condomínio e por lá está um multiplex que se quer alternativo mas ao qual auguro um futuro algo inconsistente. No Império, louva-se um senhor que rende muita massa e, de bom, só a iniciativa de ver resgatado aos vendilhões da fé o histórico Café Império (o que, diga-se, é hoje digno de ser um sinal de modernidade por aquelas paragens). Quanto ao Pathé, a triste sina é ser um edifício devoluto que, de tão emparedado numa zona em constante decadência, ainda não foi alvo da cobiça da pior espécie que este País produziu: os patos-bravos!

Ontem, a cidade de Lisboa soube, definitivamente, que iria perder outro local mítico: o velho Cinema Europa, em Campo de Ourique. É certo que o Europa a funcionar é algo que não recordo. Ligo-o às emissões de televisão que por lá se fizeram – os directos do Júlio Isidro e os concursos do Carlos Cruz, talvez. Lembro-me de lá passar frequentemente numa determinada altura da minha vida com o edificio fechado, e de sentir que não me era indiferente pela sua beleza arquitectónica, a fazer lembrar salas desaparecidas tão intimamente ligadas à minha infância.

Agora, sabe-se que o Europa vai mesmo abaixo. Independentemente do IPAAR, ou seu sucedâneo, o reconhecer como edifício com características arquitectónicas muito específicas, nunca o classificaram, vá-se lá saber porquê! Diz-se que serão preservados alguns aspectos do actual edifício, como o alto-relevo e os vitrais. E, se a Câmara de Lisboa arranjar uns trocados talvez seja possível reservar-se um piso (provavelmente o térreo) para um centro cultural de base local.
Porém, para sempre, aquele cinema, aquela sala histórica de Campo de Ourique morrerá. Em nome de um desenvolvimento pacóvio que está a destruir a cidade, a extrair-lhe vida e a matar lentamente os bairros que perdem pessoas e motivos para continuarem a existir enquanto verdadeiros centros da comunidade. O que interessa é sempre a rentabilidade financeira que um qualquer condomínio, futuramente habitado por gente que estaciona o automóvel na garagem e quando saí à rua ruma a um shopping de subúrbio, trará a uns quantos tratantes aos quais nada mais interessa que um ocasional bezerro de ouro. A custas, uma vez mais de Lisboa e dos lisboetas.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Essa Liberdade de Expressão

Estou provavelmente em ressaca de “Caim”. Quero ter a liberdade de discutir com deus, mas também com os homens. Sinto que as verdades deste mundo violam simplesmente algumas regras predefinidas… o quanto odeio predefinições, por achá-las pacóvias e mesquinhas, nascituras de ocasos aleatórios de decadência extrema. Porventura, mesmo castradoras e exangues nas abordagens. Porque o maravilhoso na nossa individualidade somos nós, e por mais que seja dolorosa, tenhamos que conviver com ela, a debilitada individualidade.
Mas, comecemos pelo princípio da narrativa, que pomposamente assim se chama por não querer o autor apelidá-la de episódica ou meramente fugaz, porque assim são as normas do português vivo e olvidado das palavras ainda não contempladas nos mistérios da objectividade e da síntese.
À séria, acabo de ler, no último número da revista do “Clube de Jornalistas”, o seguinte:
Há um jornal na praça que se orgulha de escrever tudo em trinta linhas e usar 100 palavras, uma coisa dessas. As razões decorrem do facto {o autor é brasileiro e usou “fato”} de que o jornalista despreza o público nativo. Ele tem a certeza de que a maioria é composta por imbecis. (…) Eles tentaram se adaptar à imbecilidade dos leitores”
A autoria destas palavras vem de Mino Carta, jornalista brasileiro de origem italiana, ex-editor de algumas das mais importantes publicações brasileiras, e a crítica assenta que nem uma luva no perfil editorial da revista Veja, a mais vendida e difundida no Brasil. Reconhecem-na com certeza, na nossa lusitana praça, feita de is de informação ou públicos decompostos em combustão, para aqui não acrescentar essa espécie descrita como diários de... etc. e tal (sem favoritismos, digo eu que prezo a palavra de honra)?
Não vou esgrimir os argumentos de um jornalista brasileiro que considera o jornalismo brasileiro “medíocre”. O nosso também é; Olá, meus caros amigos, se é!
Há 10 anos, trabalhei num dos maiores jornais nacionais e depressa me apercebi que o jornalismo é um fúlgido exercício de manutenção da tentadora fogueira de vaidades em que mergulhámos; eis o 4ª poder tornado poder estéril, tacanho e opressor, como todo o poder. Belos tempos em que se produziam jornalistas de carne e osso que entendiam o universo jornalistico como o caminho da verdade, olhando o mundo como um todo, enfrentando mordaças e becos inevitáveis. Rectas criaturas, louvado seja deus!
Bairro Alto, lembram-se? Explicito bem o burgo nacional destes seres, hoje "imundos" e ocasionais escritores, os que o são, aos olhos de puritanos e conservadores de espirito. E relembro, essa universidade conjugada num verbo inexistente, sempre universal, declinado em factos dignos como o de ser livre. Mesmo que os tempos detenham o método pernicioso de fazer parecer aquilo que não se é, livre, pois então! Duvidam? vejam os nomes de que lá sairam: pelo menos um nobel e mais uns quantos de costela hirta e esfíncter recto (apesar de honrosas excepções, que é nisto que se é humanamente belo, apesar de tudo o mais!).
Assustador, é quando me apercebo o que se passa, hoje! Creio cada vez mais na falácia da nossa academia que é burra, castradora e estupidificante. E, sem temores, o nosso mundo vai mal quando o supletivo é o conteúdo. Somos uma farsa. A nossa liberdade é uma farsa. Como o verbo o é!
Ai, o verbo o é! Duvidam?

domingo, 17 de janeiro de 2010

"Caim" ou uma digressão pelo Antigo Testamento


Não bastavam Sodoma e Gomorra arrasadas pelo fogo, aqui, no sopé do monte Sinai, ficara patente a prova irrefutável da profunda maldade do senhor, três mil homens mortos só porque ele tinha ficado irritado com a invenção de um suposto rival em figura de bezerro, Eu não fiz mais que matar um irmão e o senhor castigou-me, quero ver agora quem vai castigar o senhor por estas mortes, pensou Caim, e logo continuou, Lúcifer sabia bem o que fazia quando se rebelou contra deus, há quem diga que o fez por inveja e não é certo, o que ele conhecia era a maligna natureza do sujeito.
Caim”, José Saramago

Que raio de deus é este que louvam. O tal, esse ente omnipotente, omnipresente, omnisciente que ama os homens mas traz-lhes a desgraça, ou para simplificar, indo ao encontro do escritor, esse que não nos entende, nem nós o entendemos a ele. Este “Caim”, que José Saramago transformou viajante do tempo e do espaço entre episódios bíblicos do Antigo Testamento, vem marcado por deus e jogado à sua sorte no mundo, e pelo criador talhado há-de fazer das tripas coração para perceber onde está o bem que tanto se proclama vir do céu.
Por que dilemas e provações passará Caim nesta jornada bíblica, narrada à moda dos jograis, que se ainda os houvesse fariam coisa parecida com este grande pequeno livro de Saramago. Caim, o que matou o irmão porque o senhor o renegou. O que foi poupado para ver quão maléfica pode ser a justiça divina, capaz de derramar sangue ou cuspir fogo sobre cidades, ou exasperar-se com a criação e tudo prover inundar. E ali, condenado à existência solitária resta o debate sem fim com ele, o divino, o criador, esse louvado deus de glórias e misérias humanas e sob-humanas.
foto: Diário de Notícias

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

2010

(O primeiro ano da segunda década do milénio, a partir de fragmentos de um humanista ocidental)
Há dez anos atrás, o mundo encontrava-se suspenso por chegar a 2000, e a ameaça anunciada perfilava-se num bug informático que nos arrastaria para o caos. Parece caricato, como caricato parece relembrar o caos que se anunciou e nunca aconteceu. E nem pensar nas referências bíblicas ou nas profecias catastrofistas de Nostradamus e semelhantes charlatães de vistas largas que alimentam os mitos e os ritos de uma humanidade sequiosa por crenças e medos forjados nas incertezas do futuro.
Mas saltemos para o último dia do ano que findou. O ano que deixou para trás uma década onde tudo aconteceu daquilo em que a história dos homens é pródiga: fome, guerra, flagelos, vida e morte, e tudo mais. A nossa civilização rejubilante pintalgada em fogos de artifício, inovações tecnológicas e riqueza a rodos, ou a grande falácia em que nos instalámos, fazendo-nos tão prósperos que abandonámos a natureza mais autêntica da realidade em que vivemos? Porque se agora tudo é global, porque continuamos a pensar que o nosso estado civilizacional baseado em consumo e opulência é uma verdade inquestionável. Será porque teimamos em não entender nada do que se passa à nossa volta e preferimos escondermo-nos nas nossas carapaças de indivíduos tecnológicos?
Seria demasiadamente demodê, para não o considerar fora de tempo, lançar-me aqui num balanço do ano ou da década. Isso nem sequer faz sentido, mais ainda se estamos num estádio de pensamentos e de racionalidades imediatas e descartáveis. Em suma, nada mais seria que uma perda fastidiosa de tempo num feriado em que se pensa o que muda ou pouco muda a partir deste ponto do calendário. O que sucedeu ao longo dos dez anos passados sobre 2000 que nos mereça um registo consistente? - o impensável a 11 de Setembro de 2001? a guerra reeditada no Iraque e no Afeganistão? a crise do capitalismo global? a agonia do planeta?
Seguimos na continuação incerta de tempo irregularmente incerto. Vamos tentar perceber para onde nos leva o estado a que chegámos. Continuaremos iludidos, com certeza, até nos surpreendermos; é humano, demasiadamente humano! A crise económica, os fundamentalismos religiosos, os paradigmas que teimosamente persistem. A tudo isto, junta-se um planeta gritando socorro, e a ressaca das frustrações de Copenhaga a apontarem como somos estupidamente suicidas.
Hoje, aqui estamos. E, daqui a dez anos, como será? - Um novo ano, uma nova década, e tal como hoje, aqui e ali, uns quantos lutando por um mundo melhor, mais livre, mais equilibrado e mais justo. Em nome da humanidade, que essa bandeira seja hasteada por cada vez mais gente, rumo a um futuro necessariamente comum.