sábado, 28 de abril de 2012

Entrevista a José Filipe Costa, realizador de "Linha Vermelha"


Entrevista publicada na Agenda Cultural de Lisboa - Abril 2012

Vencedor do Prémio de Melhor Longa-Metragem Nacional na última edição do IndieLisboa, Linha Vermelha chega agora aos cinemas. O documentário de José Filipe Costa revisita um dos mais vistos e comentados filmes sobre o Processo Revolucionário em Curso (PREC), Torre Bela, filmado pelo alemão Thomas Harlan em 1975, durante a ocupação da herdade ribatejana dos Duques de Lafões, propondo uma análise apurada sobre os acontecimentos e o poder da câmara na construção da realidade.
Linha Vermelha pretende ser uma desconstrução de Torre Bela no sentido em que o cinema tem muitas vezes, como se diz no seu filme, “o poder de levar a imaginação mais longe para transformar a vida”?
Aquilo que me interessava, propondo para isso uma reflexão através do filme, era entender como uma equipa de cinema pode potenciar os factos. Isso é sabido, e até banal nos dias de hoje. O que sucede no filme do Harlan é que aquelas pessoas que não tinham experiência política, porque isso lhes estava vedado, ao terem ali a presença da câmara, percebem a oportunidade que têm para se mostrar. O realizador acaba por explorar aquilo que procurava, ou seja, filmar o modo de funcionamento do poder popular. Mas, aquela presença acabou por condicionar os eventos, confundindo-se até com a própria memória que se tem deles…

De que modo é que percebeu que isso sucedeu?
Durante o trabalho de campo havia muita gente que me respondia “aconteceu exatamente como se vê no filme.” Percebi então que o Torre Bela era muito conhecido e que as pessoas usavam aquelas imagens para construir a sua própria memória dos factos, tivessem ou não vivido a experiência.

Algo que condicionou a leitura dos factos…
A câmara tem sempre o poder de potenciar acontecimentos ou controlá-los. O Harlan não procurou captar uma imagem limpa da ocupação, acabando por contribuir para instituir uma certa imagem de caos que ainda hoje persegue o PREC. O que se esquece é que a câmara não está lá sempre, não explica que, no passado, aquela gente estivera sujeita a condições muito duras, até mesmo a uma praça de jorna, e não capta que durante a ocupação se tentava construir qualquer coisa completamente nova, como o direito à alfabetização, à cultura ou a cuidados básicos de saúde. Em suma, direitos que estavam completamente vedados àquelas pessoas. É preciso não esquecer que a pobreza era imensa e naquela zona rural a estrutura era praticamente feudal.

Harlan considerava o seu filme “um instrumento de luta”. Linha Vermelha, aos olhos de hoje, também o é?  
Na arena do combate das imagens da história, do combate pela memória, acho que sim. Para os que dizem que o PREC foi uma desgraça, eu coloco-me do outro lado dizendo que aquela foi uma época interessante, com uma riqueza imensa para descobrir e refletir. O que hoje se diz sobre aqueles dias abafa o quanto de extraordinário aconteceu. De certo modo, o meu filme pretende desdramatizar os estigmas que ainda hoje perseguem os ocupantes e os eventos da Torre Bela.