sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Obama (III) - os desafios

Barak Hussein Obama será, a partir de 20 de Janeiro de 2009, o novo inquilino da Casa Branca, após uma eleição com um enorme simbolismo histórico, ou não fizesse de um afro-americano o 44º presidente dos Estados Unidos. A expressiva vitória de Obama – 338 grandes eleitores contra 156 de McCain até ao dia de hoje – fez de uma América imersa numa grave crise económica e a braços com um esforço de guerra em vários palcos do mundo rejubilar. Numa reportagem da SIC em Washington era possível ver-se o entusiasmo com que tanta gente saiu à rua quebrando o cinzentismo de uma cidade tão formal quanto a rígida arrumação de Capitol Hill.
De Chicago, e perante uma multidão, as palavras de Obama para a América ressoaram como um sinal de esperança para um mundo cansado de oito longos anos de George W. Bush na liderança do país mais influente do planeta. A esperança na «mudança» começou a pautar o pulsar de americanos e não americanos a partir daquele momento. Resta agora, após a eleição mais desejada, saber de que modo o novo presidente dos EUA fará a diferença.

Se bem que os problemas internos dos EUA acabem por ter repercussão planetária (ocupando em primeira instância, e ao que tudo indica, a agenda do novo presidente), é no plano internacional que Obama enfrentará desde já os maiores desafios, sobretudo pelo capital de confiança adquirido para lá das fronteiras norte-americanas. Para os mais cépticos (nos quais me incluo), a crença em mudanças substantivas são ténues. A política externa norte-americana é no seu âmago análoga desde há mais de 100 anos, quando o poder em Washington congeminou o “destino manifesto” do papel dos EUA no mundo, visando um projecto imperialista – ou neo-colonial para o situar na época da sua origem. Com maior ou menor grau de multilateralismo, nada indica que se vá proceder a uma revolução liderada pelos EUA nas relações internacionais. Serão de prever as mesmas peculiaridades de sempre que se compreendem numa real politik utilitarista, entre o apoio a ditaduras estrategicamente amigas a situações de desequilíbrio extremo como o são os casos do Kosovo (iniciado com a dupla Clinton-Albright) ou da Geórgia, passando inevitavelmente pelo sempre periclitante Médio Oriente e pelo conflito israelo-palestiniano.
Para lá da crise económica profunda que alastra pelo globo e faz os Sarkozyis e os Barrosos da Europa ansiarem por uma refundação do capitalismo, é no plano militar e nos apoios estratégicos que se espera mais da actuação de Barak Obama. Porém, e conforme já deixou escrito, o novo presidente dos EUA anunciou sempre ser apologista de uma política externa «realista e bipartidária» ao estilo «do pai de George Bush, de John Kennedy e, em certos aspectos, de Ronald Reagan», pelo que não se pode esperar demasiado de Obama nesse capítulo, apesar dos tempos e das circunstâncias adquirirem volatilidades que podem condicionar mesmo os mais coerentes.
Em relação ao Médio Oriente, sabe-se que é sua intenção procurar uma saída rápida das tropas americanas mobilizadas no Iraque, mas em relação a Israel e à Palestina subsistem múltiplas interrogações, sabendo-se de antemão que poderão estar em aberto novas iniciativas diplomáticas para encontrar uma solução para um problema que deve ser encarado como a raiz de todos os males. Evidentemente que a busca de uma solução equilibrada para o longo conflito israelo-palestiniano liderada pelos EUA pode roçar a ficção cientifica, mas se Obama tiver coragem suficiente para a fazer, enfrentando o poderoso lobby sionista tão influente na política externa norte-americana, pode vir a estender o seu capital de popularidade às latitudes mais improváveis, mesmo assumindo que uma mudança da política externa norte-americana nesta matéria poderá comportar riscos pessoais incalculáveis – será à toa que Doris Lessing profetizou que «se Obama ganhar (…) matá-lo-ão»?
O multilateralismo surge como outro dos grandes desafios que Obama tem pela frente, sobretudo após o estado em que Bush Jr. deixou as relações dos EUA com muitos dos seus principais aliados. Com o capital de confiança que neste momento detém, cabe a Obama tomar as decisões certas para tentar pelo menos normalizar as relações com a Europa e, sobretudo, com a Rússia, abandonando desde já o provocatório projecto do escudo antimíssil na Europa de Leste. Ao mesmo tempo, e com o declínio das relações dos EUA com uma parte considerável da América Latina, surge o desafio de tentar restabelecer alguma confiança com os vizinhos do sul. O levantamento do embargo a Cuba poderá ser a chave para o início de um processo de estabilização diplomática com países como a Bolívia e, principalmente, a Venezuela de Hugo Chávez.
Com os dados lançados (e sobre a mesa há ainda outros dossiers tão prementes uanto os enunciados, como o Irão ou a Ásia), caberá agora a Barak Obama, o primeiro presidente negro dos EUA, responder aos desafios que tem pela frente com inteligência e coragem. Não se esperam milagres, mas há por esse mundo fora milhões de “believers” que acreditam na «mudança» anunciada e que se deseja palpável. Vejamos agora, até quando.

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Obama (II) - uma visão sentimental

Nos inícios da década de 60 do século passado, Joseph Kappler reviu muitas das investigações feitas ao longo de décadas em matéria dos efeitos dos meios de comunicação social nas atitudes e comportamentos dos cidadãos, concluindo que os media, de facto, não persuadem os indivíduos a mudar de atitude mas sim a reforçarem atitudes para as quais já sentiam predisposição. Independentemente de toda a crítica e discussão susceptível decorrente da afirmação de Kappler, o fenómeno Barak Obama até poderia ser compreendido à luz desta conclusão.
De facto, Barak Obama potenciou na sua candidatura à Casa Branca a atitude de colocar milhões de cidadãos a acreditar em algo novo, como se a sua candidatura encarnasse um elemento fundamental na predisposição da larga maioria da população norte-americana: a vontade de voltar a haver esperança na relação entre o cidadão comum e aqueles que detêm o poder político.
Nos tempos que correm, ter esperança é uma sensação em vias de extinção na relação dos cidadãos com a política e os políticos. O descrédito semeado pelos agentes do poder ao longo de tantos anos, e tão evidente nos nossos regimes democráticos ocidentais, ocultou essa necessidade básica do homem social. Talvez por ter assumido tão eficazmente o papel, Obama fez predispor, como um efeito massificado (em todos os cantos do mundo), as pessoas para a crença na possibilidade da esperança alicerçada no mote da tão propagada «mudança».
O mais provável é que essa ansiada «mudança» não venha a ser tão substantiva quanto muitos pretendem. O certo é que hoje a América vai a votos e de forma quase inédita (pelo menos para a minha geração) meio mundo encontra-se debruçado na expectativa deste ser o primeiro dia de uma nova era, desconhecendo-se de antemão o que será objectivamente. Sem concorrência ideológica efectiva, nunca o mundo terá esperado tanto de um só homem. Para milhões, Obama não só poderá liderar a maior potência mundial como ser a esperança no futuro de um planeta a braços com crises profundas em matéria económica, social, ambiental e militar.
Esse homem, tal messias dos tempos modernos, chama-se Barak Obama, negro, quarenta e sete anos, filho de um queniano e de uma norte-americana branca, nascido no Havai, principal candidato a ocupar a Casa Branca, quatro décadas depois de Martin Luther King ter projectado um "sonho" em Washington.
Como tantos milhões, simpatizo com Obama. Apesar de acontecer lá longe, nunca um acto eleitoral terá envolvido a expectativa de tantos milhões como este, e tudo porque ali concorre alguém que parece transportar ao mundo a tocha da esperança. A minha simpatia por Obama é céptica em relação ao carácter messiânico do homem que pode transformar o mundo num lugar melhor, mas a verdade é que ele acendeu a luz da esperança em milhões de excluídos do seu país, desde negros a hispanos. Simpatizo com Obama porque há milhões de africanos que vêem a esperança renascer ao acreditarem num homem que talvez não esqueça a suas raízes. Simpatizo com Obama porque o mundo é um local cada vez mais perigoso e qualquer fenómeno, por efémero que seja, que conduza à esperança deve ser vivido, nem que seja em nome dos nossos filhos.
Obama poderá vir a ser um flop para todos aqueles que nele depositam tanto da sua crença no futuro. Para mim, alguém que não se revê ideologicamente na política norte-americana, para os párias dos EUA, para os mártires do continente africano, para os oprimidos pelos actos planetários do “império” americano e seus tentáculos. Obama pode até vir a ser o refundador do capitalismo em quem os antigos comparsas de Bush agora depositam a sua esperança para manterem à tona um sistema em crise e pelo qual são co-responsáveis.

Independentemente de tudo isso, da quase certeza nas expectativas frustradas de milhões por esse mundo fora, Obama conseguiu mexer com emoções e hoje, no dia em que pode vencer as eleições, o mundo globalizado vislumbra de novo aquilo que parecia ter esquecido: a esperança. Ou não simpatizássemos quase todos com aquele homem negro que, contra todas as expectativas, ambicionou um dia ser presidente dos Estados Unidos da América.

sábado, 1 de novembro de 2008

Obama (I) - a «mudança»

O sítio da internet da campanha de Barak Obama leva à exaustão a palavra que marcou todo o marketing de uma campanha: CHANGE. O mote em redor de cada campo da página Web é precisamente «change – we can believe in». Como característica bem americana, a «change» proposta por Obama comporta uma carga messiânica bem vincada – num dos atalhos da página lê-se «Front Row to History», conduzindo o visitante a um campo onde, a troco de um donativo, poderá vir a fazer parte do grupo de pessoas que estará no Grant Park de Chicago, na noite das eleições, a presenciar o momento “histórico” da anunciada vitória.
Simultaneamente, o apelo à união entre facções do partido é bem vincado nesta altura pelos estrategas de marketing político de Obama: «Welcome Hillary Supporters» é um atalho bem destacado na página, visando envolver todo o partido na campanha. Esse sentido de unidade supera os limites do próprio Partido Democrata, destacando-se uma lista de personalidades mais próximas de fileiras republicanas que se viram “cooptados” pelo projecto de Obama. O nome mais notório é o de Colin Powell, ex-secretário de Estado de George W. Bush.
Seguindo a viagem pelo sítio, é possível continuar a embater em mais «mudança». Numa t-shirt oferecida a todos os contribuidores da campanha pode ler-se «one voice can change the world». Mais uma vez, a palavra «mudança» surge em grande relevo, ganhando agora uma dinâmica universal, estendendo-se para além dos potenciais eleitores. No verso da t-shirt prolonga-se toda a amplitude universal da «mudança» enquanto epicentro de toda a mensagem da campanha:
If one voice can change a room then it can change a city; if it can change a city then it can change a state; if it can change a state then it can change a nation; if it can change a nation then it can change the world.
Entre tanta «mudança» polvilhando toda a campanha de Obama fica a questão: o que mudará efectivamente? Especulando-se, a mudança mais premente e imediata será o estilo da presidência. Barak Obama é objectivamente diferente de George W. Bush. O americano matarruano do Texas será substituído por um americano mais polido e confiante em si mesmo, sobretudo no domínio da comunicação com os mais diversos agentes da política, meios de comunicação incluídos. Barak Obama demonstra ter uma capacidade invejável (senão inédita no nosso tempo) para dominar os vários níveis da comunicação e da imagem no plano político, sendo até agora esse o seu grande trunfo nesta longa caminhada rumo à Casa Branca.
Efectivamente, toda esta epígrafe de «mudança» veiculada pelos estrategas de campanha de Obama surge até agora envolvida numa espécie de limbo ideológico ou, para não ir tão longe no uso de um conceito que comporta muito mais que palavras, num limbo de ideias. O que esta campanha para a presidência dos EUA demonstra é que aquilo que está em jogo vai para além de uma definição axiomática e articulada de ideias que conduzirão a policies. A imagem veiculada e a carga simbólica da mensagem, por mais abstracta que seja, é mais eficaz na prossecução do objectivo (vencer uma eleição) que a clareza e transparência das ideias.
Não deixa de ser interessante que a «mudança» anunciada na campanha se torne num paradigma que ultrapassa a barreira física (e, porque não, eleitoral) das fronteiras norte-americanas, estejam elas onde estiverem e venha apelar ao desígnio histórico do papel dos EUA no mundo. Perante uma crise financeira global com epicentro nos EUA, a efectivação da mensagem na sua imanente abstracção visa ser tão extensível no plano interno como externo.
Será pois, à sombra desta propagandeada «mudança» messiânica que, provavelmente, Barak Obama vencerá as eleições de 4 de Novembro, pois é ele, o único a reunir as condições necessárias para alterar a face do “imperialismo” americano que Bush colocou no estádio da decadência. A história que Obama se arrisca a fazer não passa somente por ser o primeiro mestiço a liderar o país mais poderoso do mundo. Aquilo que a história poderá vir a contar é que Obama foi o presidente norte-americano que inverteu o destino fatal do modelo capitalista que os EUA lideraram no mundo nas últimas duas a três décadas.