sexta-feira, 30 de julho de 2010

António Feio

António Feio confessava combater a doença trabalhando; e assim o fez até ao fim, como se o teatro o prendesse à vida. Ao longo de uma carreira de 40 anos inteiramente dedicados à representação e à encenação, deu-nos momentos únicos e inesquecíveis. Fez-nos quase sempre rir, e mesmo quando as forças lhe faltavam, continuou a querer fazer-nos rir.

Vamos ter saudades, António.

terça-feira, 20 de julho de 2010

A Terrível Ofensiva

O cenário de crise em Portugal começa agora a promover um exponencial de derivas selváticas contra o Estado social que, governo após governo, tem sido vilipendiado imoralmente pela traição sucessiva (mas, aparentemente, legitima nos nossos regimes democráticos!) do contrato eleitoral. Como se não bastasse o neoliberalismo mais aberrante mascarar-se de “esquerda moderna” – basta pensar no fenómeno de Terceira Via que Giddens arquitectou para Blair e que tanta influência teve em Portugal no pós-cavaquismo – e introduzir algumas das mais nefastas medidas no ataque às grandes conquistas sociais do modelo europeu continental, a direita neoliberal, tão radical e destrutiva quanto qualquer outra, sente chegar o momento de arrasar em definitivo com o que ainda subsiste do modelo social-democrata que vingou na Europa Ocidental desde o final da II Guerra Mundial.

Curiosamente, e quando se percebe que a Comissão Barroso em Bruxelas se ancora cada vez mais nos poderes e ditames do grande capital financeiro, fortemente apostado em fulminar as periferias ou simplesmente exercer uma economia depredadora de meios e recursos nos países economicamente mais frágeis, o PSD de Passos Coelho dá voz nacional aos anseios desta tendência. Ao atacar princípios fundamentais contemplados na Constituição da República Portuguesa, o radicalismo neoliberal que o actual líder do PSD já não esconde propõe a destruição dos alicerces constitucionais do próprio regime democrático – através do reforço os poderes presidenciais –, do Estado social – através do princípio da universalidade e gratuitidade da saúde e da educação – ou dos direitos dos trabalhadores – promovendo a troca da “justa causa” agora inscrita por uma dúbia “razão atendível” como sustentação para os despedimentos.

O ataque subjacente neste projecto retira, em termos genéricos, a Constituição ao povo português, argumentando que a Lei Fundamental é a causa liminar dos atrasos estruturais do país. A legitimar muitos destes princípios tem estado toda uma intelligenzia regimental que oculta despudoradamente as causas da crise do capitalismo e remete para o Estado social o ónus do problema. Não surpreende pois que, ostentando a bandeia da modernidade e o princípio da responsabilidade, este anteprojecto de cariz marcadamente ideológico venha a colher entre nós alguma popularidade e a influenciar os obreiros da “esquerda moderna”. É, no fundo, apenas mais um elemento que encaminha o país para um futuro cada vez mais incerto e preocupante, talvez pensado num quadro mais vasto que o interno.
foto: i on line