terça-feira, 29 de setembro de 2009

O que fazer com estes votos

Ao longo de quatro anos e meio de maioria absoluta na Assembleia da República foi difícil, se não mesmo impossível, ao primeiro-ministro conjugar verbos como ouvir, dialogar, negociar e outros tantos que instruem acções eventualmente construtivas em democracia. Aliando às lacunas ou omissões de conjugação verbal o estado a que chegámos, o resultado está à vista de todos: o PS ganhou as eleições mas perdeu mais de meio milhão de votos e, consequentemente, a maioria absoluta.
Agora, cabe a Sócrates instruir-se na conjugação desses verbos outrora malditos. Nada voltará a ser como dantes, independentemente do eleitorado até lhe ter providenciado um super-Paulo Portas como garantia de prossecução daquela velha política de sempre. Tudo uma mera questão de tempo mas, com a nuance de obrigar a um diálogo mais extensível no panorama parlamentar, mesmo que à ponta direita do hemiciclo surja o interlocutor privilegiado.
Felizmente que nem todos pensam como eu e, esperançosamente, olham para um novo Sócrates como o ser pensante que equaciona agora o que fazer com estes (muitos menos) votos. Assim, alimentam a esperança (ou quem sabe a fé) numa grande união das esquerdas, com a agora também reforçada ala esquerda do parlamento. Sinceramente, e perdoem-me os crédulos, acho que Sócrates já decidiu não só o que fazer com os seus votos como com os daqueles que o podem fazer sobreviver nesta legislatura com morte anunciada, lá para meados de 2012.

sábado, 26 de setembro de 2009

Instantâneos de Campanha

1. Na recta final da campanha das legislativas de domingo, registo com alguma curiosidade os últimos apelos ao voto de José Sócrates e Paulo Portas. Estes dois candidatos argumentam como se o passado fosse uma espécie de realidade paralela onde nem um nem outro tivessem estado e agido enquanto actores políticos.

Diz Portas, ex-Ministro de Estado de Barroso e Santana, que o CDS “merece o benefício da dúvida”; pergunta o eleitor: mas o que mudou no ex-ministro Portas para que o candidato Portas possa merecer o “beneficio da dúvida”? Parece que, espremendo o fruto para extrair o suco, soçobra o mesmo de sempre: muita demagogia, ilustrada num discurso fácil e habilmente "tabloidizado" que aponta a uma transversalidade quase apolitizada. Tudo em prol da senha de entrada no governo que aí venha. Portas é o partido, e cada vez mais se assume do tipo catch- all, para usar a terminologia de Otto Kircheimer.
Sócrates sabe que Louçã já teve melhores dias, tal como ele. Sabendo de antemão o que vale e a desilusão que personificou ao longo destes penosos quatro anos e meio, o ainda primeiro-ministro decide encarnar no mito do “voto útil” de modo a estancar o descontentamento de alguns tradicionais eleitores do seu partido. Não me ocorre se alguma vez um candidato directo a primeiro-ministro se assumiu tão claramente como sinónimo de “voto útil” porque, desmontando o conceito, há indícios de que isso represente uma auto-subvalorização perante o eleitorado. É como alguém que sabe que não presta, mas que, a seu ver, representa a única solução a um mal maior. Perante os factos e a necessidade, Sócrates acabou por se assumir.


2. Aparentemente, a dinâmica criada pelo Bloco de Esquerda entre as eleições europeias e o inicio da campanha pareciam fazer antever uma votação estrondosa para a dimensão do partido. Apercebendo-se claramente que o descontentamento de uma parcela do eleitorado socialista era captado pelo BE, Louçã transformou-se numa espécie de “Alice” num país de maravilhas que a sua imaginação projectou. Subitamente, o guardião da superior moral da esquerda, até aí embrenhado numa completa e descomprometida inconsequência ideológica que representava o seu maior trunfo para conquistar votos, libertou o seu trotskismo genético e radicalizou o discurso. Pode-se dizer que, provavelmente, Louçã nunca pensou que os seus “socialistas” fossem confrontados com os laivos mais “radicais” do seu programa eleitoral mas, Sócrates teve a habilidade de o denunciar num debate televisivo e, assim, colocou a semente da dúvida no seu eleitorado fugitivo, o qual, obviamente, não se revê em soluções tidas como "extremistas".

De facto, e se as sondagens acabarem por demonstrar semelhança à realidade de domingo, a chave da vitória de Sócrates pode encontrar justificação na quebra táctica do BE. Ao perder parte da parcela do descontentamento socialista, Louçã e o BE dão a vitória ao PS, não obstante conseguirem transformar-se na terceira força parlamentar. Mas, é evidente que, neste caso, o bom não se substitui ao óptimo e lança-se o desafio de, após uma década de existência, o BE ser obrigado a assumir as suas sínteses ideológicas, provenientes da sua própria génese e do seu desenvolvimento enquanto partido. A não ser que Louçã se renda à tentação de ser o limiano de Sócrates, tornando tudo muito mais transparente…


3. Para muitos, a forma quase tímida como Jerónimo de Sousa se comportou nos debates com os seus adversários poderia fazer antever o descalabro eleitoral da CDU. Mas o carisma popular do secretário geral do PCP e a postura quase sempre construtiva do seu discurso demonstraram que Jerónimo vale votos para lá do PCP. A entrevista que deu a Ricardo Araújo Pereira fez mais uma vez prova do seu humor, simpatia, e humanismo, desmistificando os traços rudes e grosseiros com que se continuam a pintar os comunistas na sociedade portuguesa. Para além disso, Jerónimo, apesar de comunista, é um gentleman e não resistiu mesmo a pedir desculpa aos jornalistas, que o acompanharam ao longo destas duas semanas, pela rotineira ementa de campanha. Febras de porco, para que se saiba.


4. O PSD desta campanha foi um partido à imagem de Manuela Ferreira Leite. Pálido e fantasmagórico. Já se suspeitava que sempre que Ferreira Leite usasse da palavra havia votos a perderem-se. Depois, veio a teimosia exponencial na tese da “asfixia democrática” representada pelo poder socialista, tese esta a que insistentemente recorreu para chegar ao cúmulo de afirmar que os resultados das projecções que derrotam o PSD se devem ao medo instalado na sociedade portuguesa. Pelo caminho, houve demasiada trapalhada e a “verdade” apregoada foi-se transformando em rábula. Veja-se o “misterioso” caso das escutas de Belém, os votos comprados pelos candidatos arguidos ou o modelo democrático da Madeira. Asfixiada em fantasmas, Ferreira Leite só conseguiu elencar o que não faria se fosse poder. Nada mais. Por tudo isto, vai perder as eleições.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Desvalorização e Desmotivação

"O actual quadro legal aplicável ao regime de carreiras dos trabalhadores da Administração Pública e Local é, efectivamente, a maior ofensiva que um governo, em democracia, impôs ao sector público e aos seus recursos humanos. Sob o manto do incremento da produtividade e da competência esta legislatura, sustentada na maioria parlamentar absoluta do Partido Socialista, que agora termina, ao atacar implacavelmente os trabalhadores do sector público, é responsável pela maior horda de legislação lesiva à prestação de serviços públicos de qualidade, seja através do Estado, seja através dos municípios.

De inspiração absolutamente tecnocrática e apresentando um desfasamento completo daquilo que são e devem ser as condições necessárias para a prestação de serviços públicos de qualidade em prol das populações, o quadro legal imposto pela Lei 12-A/2008, e legislação sucedânea e complementar – onde inevitavelmente se inclui o SIADAP (Sistema Integrado de Avaliação de Desempenho na Administração Pública) -, ataca impiedosamente os trabalhadores do sector público, consumando um objectivo que sabíamos subjacente à política de anteriores governos que, ao longos dos anos, têm apontado os trabalhadores da Administração Pública como uma das principais barreiras ao desenvolvimento do País.
Ao usar os trabalhadores e os seus direitos laborais como álibi para a sua incompetência, os responsáveis políticos deste e de anteriores governos fomentaram na sociedade portuguesa o estigma de que a responsabilidade pelo falhanço das políticas públicas não resulta tanto das suas opções e da acção executiva dos agentes políticos, mas sim dos trabalhadores e dos direitos que adquiriram ou foram adquirindo com a sua luta desde a Revolução de Abril. Como resultado dessa desculpabilização, os trabalhadores da Administração Pública e Local encontram-se sob uma ofensiva constante que visa, abertamente, colocar entraves à prossecução de serviços públicos de qualidade, encaminhando os segmentos mais rentáveis do sector público para o sector privado. O actual quadro legal, ao mascarar-se de benéfico para a valorização dos recursos humanos do Estado, imprimindo índices de competitividade e produtividade como formas de valorização do trabalho, é o mais evidente dos logros a que nos têm submetido. Deixamos, e seguir, apenas dois exemplos que ilustram o que temos vindo a denunciar.
Em primeiro, o logro começa com a atribuição de cotas para as notas mais valorizadas (Muito Bom e Excelente), o que, não só é contraproducente como inviabiliza que um determinado serviço público consiga reunir um número alargado de funcionários de excelência. Imaginemos o dilema que assaltará um director de serviços perante uma cota que lhe permitirá apenas atribuir um “excelente”e dois “muito bons” para um universo bem mais alargado de trabalhadores que se encaixam nessas avaliações. Os que ficarem fora das cotas mais valorizadas sentir-se-ão naturalmente discriminados iniciando-se assim, não só, um processo de desmotivação, como de corrosão das relações em ambiente de trabalho. Inevitavelmente, os resultados não poderão corresponder, no futuro, àquilo que aquele director pretendia e que todos, enquanto cidadãos, desejamos e pretendemos para um serviço público de qualidade.
Num segundo exemplo, o actual quadro legal representa também uma clara ofensiva à valorização pessoal e profissional dos trabalhadores. Para efeitos de progressão na posição remuneratória, o investimento do trabalhador que, a exemplo, opta por fazer estudos pós-graduados ou valorizar-se com formação profissional constante é nulo, uma vez que tudo gira em torno da avaliação que o responsável faça do desempenho profissional do trabalhador. Poder-se-á argumentar que um mestrado ou uma pós-graduação servirão para que o trabalhador incremente melhores resultados ao seu desempenho profissional mas, face à esquematização burocrática e à discricionariedade subjacente aos processos de avaliação, valerá o esforço financeiro, pessoal e familiar decorrente dessa “valorização”?
Realisticamente, cabe a todos nós, trabalhadores da administração pública, movimento sindical e cidadãos, insurgirmo-nos contra todo este processo que não só se revela falacioso como instiga à degradação efectiva do sector público. Este quadro legal, não só visa limitar os vencimentos dos trabalhadores, como no imediato já nos começamos a aperceber, como introduz níveis de precarização do trabalho na Administração Pública e Local que apontam a breve trecho para despedimentos e para um clima de medo e degradação nos serviços públicos. Nós, enquanto sindicato mais representativo dos trabalhadores do maior município do País, continuaremos a lutar e a apelar a todos os nossos associados que estejam connosco nesta luta que, objectivamente, visa revogar este complexo e nefasto quadro legal que aponta à destruição do sector público nacional minando-o de dentro para fora. É preciso não esquecer que este quadro legal é o corolário de uma ofensiva constante vinda do poder político, repartido entre PS, PSD e CDS/PP, apontando, no futuro, à legitimação de medidas ainda mais gravosas contra os trabalhadores do sector público. A nós, resta-nos continuar a denunciá-lo e combatê-lo." FB
O presente texto será publicado na edição nº 134 do jornal do Sindicato dos Trabalhadores do Município de Lisboa, "O Trabalhador da CML".

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Life without internet


Ainda são possíveis momentos unplugged – independentemente dos wireless - nas nossas vidas. Em férias, sobretudo quando a lonjura nos desprende de casa e a vida se faz de calmaria, descoberta e lazer pleno, a civilização (ou aquilo que entendemos que isso seja ou possa ser) pode muito bem ser dispensada. Foi o que me fez sentir a insularidade de uma viagem de férias, onde na aparência, tudo nos parece um lugar distante, como se só existíssemos nós, os nossos e as ondas do mar.

O mundo até poderia ter acabado. A televisão do quarto de hotel nem sequer funcionava em perfeitas condições, logo, foi dispensável… a não ser que jogasse o Benfica! Confesso: não resisti e conectei-me para saber se nos bateríamos vitoriosos em Guimarães e em Poltava. Mas, em férias, e num local onde nem sequer chegam jornais, tudo o resto se tornou dispensável. Telemóvel desligado e apenas dois ou três contactos com casa para saber se tudo ia correndo pelo melhor. O que interessa é amar e desfrutar. Nada mais.

Mas, que jeito dá um ar condicionado num país tropical. E um frigorifico de mini-bar. E um telefone de recepção de hotel para chamar um táxi que nos leve a qualquer lugar fantástico. Não podemos viver sem isso, ou já não sabemos porque estamos impregnados de conforto por dentro e por fora. Ali está um computador com ligação à internet. É inevitável! Mas resisto; para quê corromper minutos de paz a ler mensagens de e-mail ou facebook dos amigos. Haverá tempo para tudo isso ao regressar. E blogues, e teclados de computador tilintando… Nem pensar. Resisti!

Doces férias, doces tempos. Ó gloriosa solidão (ou quase) de civilização na sombra dos dias.

Foto: FB