domingo, 26 de setembro de 2010

Porque lutar é um dever cívico

No próximo dia 29 de Setembro, a CGTP- Intersindical promove duas grandes manifestações em Lisboa e no Porto. As acções integram-se na jornada europeia de luta que terá como expressão máxima as duas grandes greves gerais marcadas pelos principais sindicatos da Grécia e da Espanha. Em causa, os planos de austeridade que se abatem sobre os trabalhadores de quase toda a Europa, sendo de sublinhar que é precisamente naqueles dois países que as medidas decretados pelos governos, sob pressão constante da União Europeia, incluíram um ataque directo aos salários, com reduções efectivas nos vencimentos dos trabalhadores (*).
Em Portugal, enquanto PS e PSD alimentam o folhetim do “mau” e do “vilão” (pois, já ninguém acredita no “bom” vindo de quem vem), uma extraordinária campanha vem sendo montada para que os planos de austeridade sejam agravados, provavelmente, ainda este ano. Basta-nos estar atentos às vozes do pensamento único que proliferam no campo mediático, com o chorrilho habitual dos comentadores, para perceber que está em marcha uma estratégia feroz de legitimação do agravamento da austeridade sobre os trabalhadores e o povo português. Escudados numa certa cobardia e num tacticismo puramente eleitoralista, nem o PS nem o PSD assumiram ainda a redução de salários na Administração Pública nem a cessação do subsídio de natal, porém, tudo se prepara para que o novo capítulo desta tenebrosa ofensiva inclua este tipo de medidas.
Interessa, portanto, desmontar com clareza esta estratégia de propaganda omnipresente acerca da inevitabilidade dos planos de austeridade. Não é inconsciência nem irresponsabilidade dos sindicatos oporem-se com toda a firmeza às soluções encontradas pelos governos para responder a uma situação que ninguém ousa considerar fácil de resolver. A crise existe de facto, e a situação agrava-se, mas é necessário não esquecer que, em 2008, a opção dos governos passou por injectar (muito) dinheiro dos contribuintes na salvação do sector financeiro. Em economias mais fragilizadas, como a portuguesa, a medida revelou-se desastrosa para as contas públicas e agravou naturalmente os défices. Os “riscos sistémicos” que justificaram a salvação de alguns bancos, e a injecção de capital público (ou seja, dinheiro nosso!) em todas as instituições bancárias, foi trágica, uma vez que arrastou outros sectores para uma crise profunda.
De modo a legitimar a atribuição de “prémios” aos agentes do agiotismo e da especulação que provocaram a crise, os decisores recorreram ao exemplo da “crise de 1929” quando os Estados deixaram falir bancos e as economias aprofundaram a crise. Assim, pôs-se em marcha um plano de salvação das instituições financeiras porque, alegadamente, continuariam a ser mantidas linhas de crédito para os outros sectores da economia. O resultado é sabido: os bancos acabaram por dificultar o crédito, estrangulando toda a actividade económica, e reforçaram ainda mais o seu poder económico e financeiro, tomando os Estados reféns dos seus próprios interesses. Um pouco por toda a parte, os lucros da banca aumentaram e os seus accionistas ficaram ainda mais ricos.
Em Portugal, uma economia periférica e debilitada pelos enormes fluxos de capital que se movimentam à margem da legalidade, o lucro cresce em tempos de crise, apesar do discurso da vitimização com que o sector financeiro vai abordando a opinião pública e o próprio Estado. Não deixa de ser curioso que, numa conjuntura tão adversa para os trabalhadores, a banca tenha o descaramento de evocar o preço do dinheiro nos mercados financeiros para justificar o garrote que impõe ao País após largos milhões de euros com que todos nós contribuímos para que os accionistas das instituições tenham amealhado os maiores lucros de sempre. O despudor continua com a situação a nível internacional: o Banco Central Europeu empresta dinheiro aos bancos privados a taxas de juro na ordem dos 2 %; por sua vez, a banca privada revende esse dinheiro a uma taxa de juro superior a 6% de juro a Estados como o Português, o que torna, de facto, toda esta situação insustentável.
Mantendo os privilégios do sector financeiro intocáveis e assumindo despudoradamente os interesses dos grandes grupos económicos, a União Europeia virou-se, sobretudo, para as economias periféricas da zona euro, impondo medidas de austeridade que se reflectem no trabalho, no emprego e no nível de vida das populações. Acessoriamente, assiste-se à tomada de parcelas de soberania dos Estados e ao ataque mais feroz contra direitos fundamentais do Estado Social de que há memória. Entendendo ao serviço de quem está a União Europeia, percebe-se que o caminho tem de ser de ruptura com este estado de coisas, imputando a austeridade aos obreiros da crise e, em primeira instância, reformando o sistema, através do ataque à economia paralela e aos mecanismos de fuga de capitais dos Estados.
Pela transversalidade social dos efeitos da austeridade, a jornada de luta europeia de 29 de Setembro assume-se como um momento decisivo no combate às políticas que conduziram, e se perfilam continuar a conduzir, à crise e ao empobrecimento os povos da Europa. A dimensão internacional do protesto é uma demonstração de revolta por uma situação limite, onde cada vez mais se reconhece o falhanço do projecto Europeu delineado em Bruxelas e as políticas neo-liberais exercidas pelos governos europeus, ao serviço dos interesses dos grandes grupos económico-financeiros.
Por tudo isto, a participação na jornada de luta de 29 de Setembro perfila-se como um dever cívico dos trabalhadores portugueses.


(*) Também a Irlanda prepara paralisações e manifestações, sendo que foi, recorde-se, o primeiro estado membro da zona euro a reduzir vencimentos a funcionário públicos.
fotos: FB

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Pôr do Sol

Primeiro de Setembro, em terra firme. Ou, o regresso a Lisboa que me anuncia invariavelmente o outono. Posso continuar a ter todo o tempo para mim sem pensar sequer nos afazeres do trabalho, mas soa-me sempre a domingo, aquele dia da semana em que penso mais na segunda que no sábado. E assim vou recordando o lento pôr do sol do tempo de férias. De preferência, sem ser em terra firme, com os pés na areia, vendo a espuma das ondas anunciar o princípio de todo um mar infinito. Como se o tempo não tivesse fim.

Foto: FB