segunda-feira, 20 de outubro de 2008

A Elegia de Roth, segundo Stanley Spencer


There's a painting of Stanley Spencer's that hangs in the Tate, a double nude portrait of Spence and his wife in their mid forties. It's the quintessence of directness about cohabitation, about the sexes living together over time. Spencer is seated, squatting, beside his recumbent wife. He is looking ruminatively down at her from close range through his wire-rimmed glasses. We, in turn, are looking at them from close range: two naked bodies rightin our faces, the better for us to see how they are no longer young and attractive. Neither is happy. Ther is a heavy past clinging in the present. For the wife particularly, everything has begun to slacken, to thicken, and greater rigors than striating flesh are to come. At the edge of the table, in the immediate foreground of the picture, are two pieces of meat, a large leg of lamb and a single small chop. The raw meat is rendered with physiological meticulousness, with the same uncharitable candor as the sagging breasts and the pendent, unaroused prick displayed only inches back from the uncooked food. You could be looking through a butcher's window, not just at the meat but the sexual anatomy of the married couple.

Philip Roth, The Dying Animal ("O Animal Moribundo", tradução portuguesa)

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Breve Anatomia de uma Crise

Há pouco mais de um mês atrás, numa conversa de café, discorria com um velho amigo sobre o que mudara no mundo com o 11 de Setembro. Não obstante concordarmos com uma maior integração do sentimento de medo no nosso quotidiano, independentemente de não o racionalizarmos constantemente, concluímos que a maior alteração surtida nas nossas vidas foi a perda da inocência bacoca da nossa história ser encarada como “fim da história”.

Apenas alguns dias depois, e com o exponencial aumento do preço dos combustíveis a pautar uma crise económica generalizada que afectava já os preço de bens essenciais (talvez mais por efeitos especulativos do que por obra de efeitos “reais”), surge a revelação mais inesperada (?): há bancos a falir!

Comecemos pelo início: no Verão do ano passado, instalava-se no sistema financeiro norte-americano uma crise provocada pelos empréstimos à habitação concedidos a famílias que eventualmente não tinham condições para os pagar – o subprime ameaçava assim todo o sistema financeiro mundial. Em pleno centro nevrálgico do capitalismo financeiro, milhares de clientes da banca deixavam de pagar as suas hipotecas, o malparado disparou e os preços do imobiliário caíram a pique. Num sistema global, as repercussões do fenómeno depressa se fizeram sentir pois, através de produtos financeiros complexos, as hipotecas de famílias de baixos rendimentos (subprime) tinham sido revendidos para todo o mundo. Em síntese, e usando um eufemismo caro aos economistas, muita banca dos quatro cantos do mundo andou a comprar “material tóxico”, puro lixo, mascarado de activos e que feitas as contas podem mesmo não valer nada.

Baseado na mentira, no laxismo e na ganância, a banca internacional e todo o sistema financeiro prosperou num ambiente falsificado de excesso de crédito com garantias de menos, lançando o mundo numa crise que chegou e não se sabe quando e como acabará. A dimensão do problema é de tal grandeza que, à boa maneira socialista (a vida tem destas surpresas!), o porto de abrigo final são as nacionalizações. E no epicentro do capitalismo actual, o governo Bush não esperou por mais, e nacionalizou! Na Europa, com os efeitos a penetrarem no sistema, os passos americanos começam a ser seguidos, não vá a catástrofe arrasar com o que ainda soçobra. A exemplo, os prósperos islandeses que o digam!

Como é evidente, injectar milhões e milhões de dólares, ou euros, num sistema financeiro à beira do colapso, usando ou não como fuga para a frente (numa perspectiva de economia capitalista) a nacionalização de bancos, não é mais do que um acto desesperado para socorrer um estado de coisas que provavelmente não terá salvação possível, reservando a factura da crise, o cerne do problema, para a esfera dos cidadãos contribuintes. Para salvar a face, os tecnocratas que nos centros de decisão sustentaram politica e ideologicamente a farsa do capitalismo global num sistema financeiro opaco e falacioso, vêem agora o dinheiro do Estado (essa entidade, esse tal leviatã que se quer bem longe da nobre actividade do lucro) como o paliativo a administrar urgentemente ao doente moribundo que arrastará tudo quanto possa para o abismo se vier a padecer. A julgar pelo comportamento das mediocridades humanas que detém o controlo político dos Estados aqui e além-mar, a herança do colapso do sistema desregulamentado por eles criado ao longo das últimas décadas, abater-se-á sobre todos nós, cidadãos comuns, salvando-se ainda os anéis de alguns a quem já, certamente, ocorreu só restarem os dedos no fim da tempestade.

Perante a amplitude desta crise financeira, garante-nos o curto prazo o contágio dos efeitos da crise financeira na economia real. Num sistema decadente, em colapso de dentro para fora, os tempos que se avizinham serão certamente difíceis e pouco dados a previsões fiáveis. O fantasma da recessão económica generalizada traz consigo ameaças terríveis quer no plano económico quer no plano social. Falências, desemprego ou aumento de índices de pobreza serão decorrências imediatas desta crise nas nossas vidas. E, até quando, parece ser a pergunta que mais inquieta particulares e famílias.

Em jeito de reticências (para não haver tentações de colocar pontos finais nestas coisas da história!) para esta breve anatomia da crise, e lançando o mote para outra ocasião em que se discorra sobre crise e capitalismo, resta-me recordar o velho Marx que de há anos a esta parte faz parte das prateleiras mais recônditas e bafientas das universidades ocidentais. Estaria, afinal, certo no seu diagnóstico?