sábado, 26 de setembro de 2009

Instantâneos de Campanha

1. Na recta final da campanha das legislativas de domingo, registo com alguma curiosidade os últimos apelos ao voto de José Sócrates e Paulo Portas. Estes dois candidatos argumentam como se o passado fosse uma espécie de realidade paralela onde nem um nem outro tivessem estado e agido enquanto actores políticos.

Diz Portas, ex-Ministro de Estado de Barroso e Santana, que o CDS “merece o benefício da dúvida”; pergunta o eleitor: mas o que mudou no ex-ministro Portas para que o candidato Portas possa merecer o “beneficio da dúvida”? Parece que, espremendo o fruto para extrair o suco, soçobra o mesmo de sempre: muita demagogia, ilustrada num discurso fácil e habilmente "tabloidizado" que aponta a uma transversalidade quase apolitizada. Tudo em prol da senha de entrada no governo que aí venha. Portas é o partido, e cada vez mais se assume do tipo catch- all, para usar a terminologia de Otto Kircheimer.
Sócrates sabe que Louçã já teve melhores dias, tal como ele. Sabendo de antemão o que vale e a desilusão que personificou ao longo destes penosos quatro anos e meio, o ainda primeiro-ministro decide encarnar no mito do “voto útil” de modo a estancar o descontentamento de alguns tradicionais eleitores do seu partido. Não me ocorre se alguma vez um candidato directo a primeiro-ministro se assumiu tão claramente como sinónimo de “voto útil” porque, desmontando o conceito, há indícios de que isso represente uma auto-subvalorização perante o eleitorado. É como alguém que sabe que não presta, mas que, a seu ver, representa a única solução a um mal maior. Perante os factos e a necessidade, Sócrates acabou por se assumir.


2. Aparentemente, a dinâmica criada pelo Bloco de Esquerda entre as eleições europeias e o inicio da campanha pareciam fazer antever uma votação estrondosa para a dimensão do partido. Apercebendo-se claramente que o descontentamento de uma parcela do eleitorado socialista era captado pelo BE, Louçã transformou-se numa espécie de “Alice” num país de maravilhas que a sua imaginação projectou. Subitamente, o guardião da superior moral da esquerda, até aí embrenhado numa completa e descomprometida inconsequência ideológica que representava o seu maior trunfo para conquistar votos, libertou o seu trotskismo genético e radicalizou o discurso. Pode-se dizer que, provavelmente, Louçã nunca pensou que os seus “socialistas” fossem confrontados com os laivos mais “radicais” do seu programa eleitoral mas, Sócrates teve a habilidade de o denunciar num debate televisivo e, assim, colocou a semente da dúvida no seu eleitorado fugitivo, o qual, obviamente, não se revê em soluções tidas como "extremistas".

De facto, e se as sondagens acabarem por demonstrar semelhança à realidade de domingo, a chave da vitória de Sócrates pode encontrar justificação na quebra táctica do BE. Ao perder parte da parcela do descontentamento socialista, Louçã e o BE dão a vitória ao PS, não obstante conseguirem transformar-se na terceira força parlamentar. Mas, é evidente que, neste caso, o bom não se substitui ao óptimo e lança-se o desafio de, após uma década de existência, o BE ser obrigado a assumir as suas sínteses ideológicas, provenientes da sua própria génese e do seu desenvolvimento enquanto partido. A não ser que Louçã se renda à tentação de ser o limiano de Sócrates, tornando tudo muito mais transparente…


3. Para muitos, a forma quase tímida como Jerónimo de Sousa se comportou nos debates com os seus adversários poderia fazer antever o descalabro eleitoral da CDU. Mas o carisma popular do secretário geral do PCP e a postura quase sempre construtiva do seu discurso demonstraram que Jerónimo vale votos para lá do PCP. A entrevista que deu a Ricardo Araújo Pereira fez mais uma vez prova do seu humor, simpatia, e humanismo, desmistificando os traços rudes e grosseiros com que se continuam a pintar os comunistas na sociedade portuguesa. Para além disso, Jerónimo, apesar de comunista, é um gentleman e não resistiu mesmo a pedir desculpa aos jornalistas, que o acompanharam ao longo destas duas semanas, pela rotineira ementa de campanha. Febras de porco, para que se saiba.


4. O PSD desta campanha foi um partido à imagem de Manuela Ferreira Leite. Pálido e fantasmagórico. Já se suspeitava que sempre que Ferreira Leite usasse da palavra havia votos a perderem-se. Depois, veio a teimosia exponencial na tese da “asfixia democrática” representada pelo poder socialista, tese esta a que insistentemente recorreu para chegar ao cúmulo de afirmar que os resultados das projecções que derrotam o PSD se devem ao medo instalado na sociedade portuguesa. Pelo caminho, houve demasiada trapalhada e a “verdade” apregoada foi-se transformando em rábula. Veja-se o “misterioso” caso das escutas de Belém, os votos comprados pelos candidatos arguidos ou o modelo democrático da Madeira. Asfixiada em fantasmas, Ferreira Leite só conseguiu elencar o que não faria se fosse poder. Nada mais. Por tudo isto, vai perder as eleições.

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