quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Desvalorização e Desmotivação

"O actual quadro legal aplicável ao regime de carreiras dos trabalhadores da Administração Pública e Local é, efectivamente, a maior ofensiva que um governo, em democracia, impôs ao sector público e aos seus recursos humanos. Sob o manto do incremento da produtividade e da competência esta legislatura, sustentada na maioria parlamentar absoluta do Partido Socialista, que agora termina, ao atacar implacavelmente os trabalhadores do sector público, é responsável pela maior horda de legislação lesiva à prestação de serviços públicos de qualidade, seja através do Estado, seja através dos municípios.

De inspiração absolutamente tecnocrática e apresentando um desfasamento completo daquilo que são e devem ser as condições necessárias para a prestação de serviços públicos de qualidade em prol das populações, o quadro legal imposto pela Lei 12-A/2008, e legislação sucedânea e complementar – onde inevitavelmente se inclui o SIADAP (Sistema Integrado de Avaliação de Desempenho na Administração Pública) -, ataca impiedosamente os trabalhadores do sector público, consumando um objectivo que sabíamos subjacente à política de anteriores governos que, ao longos dos anos, têm apontado os trabalhadores da Administração Pública como uma das principais barreiras ao desenvolvimento do País.
Ao usar os trabalhadores e os seus direitos laborais como álibi para a sua incompetência, os responsáveis políticos deste e de anteriores governos fomentaram na sociedade portuguesa o estigma de que a responsabilidade pelo falhanço das políticas públicas não resulta tanto das suas opções e da acção executiva dos agentes políticos, mas sim dos trabalhadores e dos direitos que adquiriram ou foram adquirindo com a sua luta desde a Revolução de Abril. Como resultado dessa desculpabilização, os trabalhadores da Administração Pública e Local encontram-se sob uma ofensiva constante que visa, abertamente, colocar entraves à prossecução de serviços públicos de qualidade, encaminhando os segmentos mais rentáveis do sector público para o sector privado. O actual quadro legal, ao mascarar-se de benéfico para a valorização dos recursos humanos do Estado, imprimindo índices de competitividade e produtividade como formas de valorização do trabalho, é o mais evidente dos logros a que nos têm submetido. Deixamos, e seguir, apenas dois exemplos que ilustram o que temos vindo a denunciar.
Em primeiro, o logro começa com a atribuição de cotas para as notas mais valorizadas (Muito Bom e Excelente), o que, não só é contraproducente como inviabiliza que um determinado serviço público consiga reunir um número alargado de funcionários de excelência. Imaginemos o dilema que assaltará um director de serviços perante uma cota que lhe permitirá apenas atribuir um “excelente”e dois “muito bons” para um universo bem mais alargado de trabalhadores que se encaixam nessas avaliações. Os que ficarem fora das cotas mais valorizadas sentir-se-ão naturalmente discriminados iniciando-se assim, não só, um processo de desmotivação, como de corrosão das relações em ambiente de trabalho. Inevitavelmente, os resultados não poderão corresponder, no futuro, àquilo que aquele director pretendia e que todos, enquanto cidadãos, desejamos e pretendemos para um serviço público de qualidade.
Num segundo exemplo, o actual quadro legal representa também uma clara ofensiva à valorização pessoal e profissional dos trabalhadores. Para efeitos de progressão na posição remuneratória, o investimento do trabalhador que, a exemplo, opta por fazer estudos pós-graduados ou valorizar-se com formação profissional constante é nulo, uma vez que tudo gira em torno da avaliação que o responsável faça do desempenho profissional do trabalhador. Poder-se-á argumentar que um mestrado ou uma pós-graduação servirão para que o trabalhador incremente melhores resultados ao seu desempenho profissional mas, face à esquematização burocrática e à discricionariedade subjacente aos processos de avaliação, valerá o esforço financeiro, pessoal e familiar decorrente dessa “valorização”?
Realisticamente, cabe a todos nós, trabalhadores da administração pública, movimento sindical e cidadãos, insurgirmo-nos contra todo este processo que não só se revela falacioso como instiga à degradação efectiva do sector público. Este quadro legal, não só visa limitar os vencimentos dos trabalhadores, como no imediato já nos começamos a aperceber, como introduz níveis de precarização do trabalho na Administração Pública e Local que apontam a breve trecho para despedimentos e para um clima de medo e degradação nos serviços públicos. Nós, enquanto sindicato mais representativo dos trabalhadores do maior município do País, continuaremos a lutar e a apelar a todos os nossos associados que estejam connosco nesta luta que, objectivamente, visa revogar este complexo e nefasto quadro legal que aponta à destruição do sector público nacional minando-o de dentro para fora. É preciso não esquecer que este quadro legal é o corolário de uma ofensiva constante vinda do poder político, repartido entre PS, PSD e CDS/PP, apontando, no futuro, à legitimação de medidas ainda mais gravosas contra os trabalhadores do sector público. A nós, resta-nos continuar a denunciá-lo e combatê-lo." FB
O presente texto será publicado na edição nº 134 do jornal do Sindicato dos Trabalhadores do Município de Lisboa, "O Trabalhador da CML".

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