sexta-feira, 4 de junho de 2010

A Crise e os seus Artífices

A crise embala e chega ao país da crise perpétua, Portugal. Até porque apesar de poder ser, o ano nem sequer é de eleições. Rebuçados que sabem a presente envenenado, do tipo aumentos acima da inflação a funcionários públicos em ano de botar voto ou descidas subtis do IVA, servem para enganar papalvos e fazer render as más argumentações. Tem-se visto quando, por a mais b, a economia, essa ciência que lembra ocasionalmente a meteorologia mas com maior propensão de erro, vai dando indicações por encomenda e aponta o rumo certo para fazer pagar aos do costume o saque e o disparate.
Não é difícil elencar os artífices da desgraça, apesar do holofote se colocar quase sempre sobre os actores em palco. Sem absolver esses futuros beneficiários do mundo dourado da política portuguesa, lembro que Constâncio é hoje um dos vice-presidentes do Banco Central Europeu. Sampaio e Guterres gozam uma reforma dourada em instituições supranacionais de cosmética ético-política. Durão finge comandar ao longe a esburacada nau europeia. Depois há outros, os que brincaram à raspadinha da política nacional e descobrem o caminho da fortuna; o elenco é frondoso como uma árvore de patacas (muitas patacas!) e inclui criaturas como Jorge Coelho, Dias Loureiro, Cardoso e Cunha, Armando Vara, os fabulosos economistas da escola cavaquista, os juriconsultos que patrocinam verdadeiros assaltos aos dinheiros públicos, e etc. Todos eles pairando, como deuses no Olimpo, acima da triste crise da ralé.
Cá em baixo, no fosso submerso da nebulosa dourada, estão esses, os que trabalham para viver, se levantam cedo para enfrentar o trânsito, se locomovem em transportes apinhados, correm para apanhar os filhos em escolas sofriveis e ainda dormem sobressaltados pelo medo de perder o emprego ou que dinheiro que ganham não chegue para as despesas mais elementares. São esses os párias que pagam a crise ininterrupta do País; são os contribuintes de um Estado que os traí, que usa parte dos seus rendimentos para engordar a vaca dos vizinhos ricos que por sinal andam há décadas a arquitectar o edifício da crise.
Eles existem. Eles mentem nas televisões e nos jornais todos os dias. Eles fazem esquecer os factos de antes de ontem para legitimar a necessidade da austeridade sobre a arraia miúda. Eles silenciam os casos de corrupção e abuso de poder no desempenho de funções públicas que dezenas ou centenas de políticos fizeram perpetuar até se banalizar. Eles ocultam quantos beneficiaram interesses privados em detrimento dos interesses públicos. Eles não assumem que a banca e os monopólios privados parasitam há anos este País e o seu povo. Eles evadem-se de apontar culpas aos que estiveram no BPN ou no BPP. Eles não reclamam a necessidade de haver uma justiça onde também haja culpados… Eles olham-se no espelho; e a crise é nossa.

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