segunda-feira, 22 de março de 2010

Alma Russa

Anton Tchekhov definiu, um dia, a essência da sua obra do seguinte modo: “Queria apenas dizer a todos, com honestidade e franqueza: observai-vos próprios, vede como é detestável e aborrecida a vida que levais! O mais importante é fazer com que os homens compreendam isto, pois caso aconteça hão-de criar, necessariamente, uma vida diferente, uma vida melhor”. Mergulhando no mundo de Nicolai Ivanov, um pequeno proprietário rural endividado, compreende-se que a angústia domina toda a sua existência. A mulher sucumbe à tuberculose e aqueles que o rodeiam vivem uma vida fútil, engrenada em pequenos vícios e ocasionais vigarices.

Nada na vida de Nicolai Ivanov parece significar luz ou redenção, nem a dedicação da mulher enferma que tudo sacrificou em prol do amor, nem a paixão secreta acalentada pela filha dos endinheirados Lebedev; a salvação de Nicolai já não é terrena porque tudo se resume à sua desesperada aclamação “Atormento-me! Toda a gente me atormenta”. Como se o caminho se definisse numa espiral de acontecimentos que fazem antever a tragédia em que culminará a sua vida. Nicolai está consumido pela culpa, perseguido por fantasmas alimentados numa consciência em crise, como alguém que, como ele próprio diz, se sente “esmagado pelos seus actos inúteis”.


excerto do texto publicado na Lisboa Cultural 153 - Ivanov está em exibição, até 27 de Março, no Teatro Municipal Maria Matos

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