domingo, 22 de março de 2009

"Gran Torino" (ou o Epílogo do Último Grande Herói?)

Saber se este é ou não o último filme interpretado por um dos últimos grandes ícones do cinema americano talvez não seja particularmente importante. De facto, há sempre uma certa tendência para pensarmos que assim é quando a dada altura uma imagem icónica se revela de uma forma tão pungente através da sua própria desmontagem. No imediato, ocorre-me um dos melhores filmes de Woody Allen, «Deconstructing Harry» (1997), que parecia anunciar o afastamento definitivo de Allen do lado de cá da câmara, porém, essa abstinência durou apenas dois ou três anos. O certo é que o último filme de Clint Eastwood, «Gran Torino», soa a uma espécie de epílogo de carreira, desmontando e humanizando com uma brutal e comovedora simplicidade (marca também ela própria do cinema de Eastwood enquanto autor), uma imagem que está vincadamente associada às personagens que criaram o mito, tais como o “Dirty” Harry Callahan, o Sargento Thomas Highway de «Heartbreak Ridge», o William Munny de «Imperdoável» ou, nos primórdios da carreira, o “homem sem nome” dos notáveis western-spaghetti de Sergio Leone.

Será precisamente através do fragilizado pistoleiro William Munny, de «Imperdoável», que Eastwood anuncia este ciclo de decomposição da sua própria imagem enquanto actor, sendo que cada papel que virá a interpretar a partir daí (se exceptuarmos «As Pontes de Madison County») é a exorcização de si mesmo enquanto herói de acção, como se o espelho que reflecte o homem envelhecido contasse toda uma história de passado que afinal, no seu íntimo, não correspondia exactamente ao pistoleiro virulento e implacável, ao militar duro e xenófobo ou ao polícia rebelde e vingador. Nesta sequência da obra de Eastwood, o Walt Kowalsky de «Gran Torino», um veterano de guerra da Coreia e operário reformado da Ford, é a mais solitária e exposta das suas personagens rumo à desmontagem final do mito, até porque ela reúne todos os traços que marcaram as personagens mais famosas de Clint Eastwood, do «homem sem nome» a Harry Callahan, humanizando-a através das suas próprias dualidades e idiossincrasias ou expondo-a através da sua maior proximidade à morte do que à vida. E não será de estranhar se, na recta final do filme, ao vermos uma lágrima rolar pela face de Walt Kowalsky, acorrer-nos que aquele que pode ser o fantasma de Dirty Harry, afinal, também chora.

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