sábado, 2 de maio de 2009

Desgraça de Política

O impropério e o insulto podem não ser reacções legítimas numa democracia mas acontecem com imensa facilidade quando a lógica das massas se impõe. É assim no futebol, é assim numa manifestação ou num protesto; e manda a democracia que o valor da tolerância acabe por relevar alguns dos excessos. De facto, o protesto não encontra muitas vezes barreiras de linguagem no anonimato da multidão que age e reage dentro de uma espiral de contágio sempre mais emotiva que racional. Qualquer agente político em democracia tem o dever de entender isso enquanto inevitabilidade da dimensão pública.
Há umas semanas atrás, o primeiro-ministro queixava-se que as manifestações organizadas pela CGTP persistem no insulto pessoal contra a sua pessoa. Sócrates, que gosta de se mostrar inflexível nos seus propósitos e desde sempre tem desvalorizado os sinais da rua (num autismo bem típico das maiorias parlamentares absolutas), não se coibiu a criticar os excessos de linguagem e aproveitou para relançar assim o “marketing” da vitimização que, como se sabe, potencia simpatias sobre a “vítima” e combate o “agressor”.
Quando o verbo atravessa a fronteira e se torna agressão, mesmo que tal não supere o empurrão ou o repelão, a situação extravasa para um campo que não pode ser tido como aceitável. O que sucedeu ontem a Vital Moreira no Martim Moniz, durante a manifestação do 1º de Maio da Intersindical é, de facto, lamentável porque nada pode legitimar aquele tipo de reacção por parte de alguns cidadãos, sobretudo numa manifestação organizada que é também uma festa de liberdade e de democracia.
Posto isto, convém esclarecer que o sucedido ao candidato independente do Partido Socialista às Europeias foi apenas, e felizmente, resultado da actuação de uma meia dúzia de manifestantes e não do grosso da coluna. Porém, depressa se levantaram os clamores de ignomínia por parte do PS e dos comissários políticos do governo espalhados pelas redacções dos jornais e das televisões que se apressaram a visar no campo das responsabilidades a CGTP-IN e o Partido Comunista Português.
Sem apelo nem agravo, quem olha hoje a imprensa do dia verifica que a manifestação dos trabalhadores no 1º de Maio se tornou numa exteriorização da intolerância política representada numa esquerda de raiz leninista, estalinista, guevarista, e etc., etc., etc. Em suma, quem atentamente assiste a tudo isto com base nos media e quer preservar alguma seriedade intelectual e política só pode constatar que Portugal assiste a uma vaga de desinformação que só pode servir, entre tantas coisas, o tal “marketing” de vitimização que com certeza irá surgir com enorme frequência ao longo deste ano eleitoral.
Durante a noite de ontem, e depois de ter assistido à conferência de imprensa de Vitalino Canas do PS tive mais uma vez a certeza que o país está e estará no ground zero da luta política enquanto a alarvidade dos medíocres continuar a dominar a acção política. Na verdade, nada disto surpreende se lembrarmos a ligeireza insultuosa com que alguns combatem publicamente os seus adversários políticos – basta lembrar como um quadro destacado do PS atacou, há uns dias, um histórico do seu próprio partido, recorrendo a recursos estilísticos que culminaram no julgamento de carácter para assinalar discordâncias ideológicas.
O que parece mais grave nesta situação é que a insensatez e a falta de civismo democrático de uma tão diminuta massa anónima acabaram por ganhar o lugar de protagonistas no Dia do Trabalhador. Resultado: o discurso de Carvalho da Silva foi praticamente silenciado dos blocos informativos e os milhares de trabalhadores e desempregados que encheram as ruas tornaram-se desordeiros intolerantes. Na retina ficará apenas um Vital Moreira hostilizado por manifestantes instigados em ódio destilado pelo dirigismo sindical e pelo PCP, segundo a versão oficial dos factos. Imagine-se se em Portugal se passasse, para não ir mais longe, o que sucede regularmente nas grandes manifestações em França ou na Alemanha. Partiriamos para a ilegalização do PCP e de uns quantos sindicatos?

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