sábado, 22 de outubro de 2011

Números para a desinformação

Soube-se há dias, pela imprensa, que o Banco de Portugal, essa instituição de credibilidade imaculada, concluiu que os funcionários públicos ganham 15% a mais que os trabalhadores do privado. O estudo, incólume e com toda a certeza rigoroso no uso do método cientifico, aponta o interessante número de 1.491 euros como média de ordenado no Estado e, como o horário de trabalho no público é mais reduzido que no privado, o valor hora vale, em média, 10,50 euros contra apenas 5,50 no privado.

A estes dados soma-se uma conclusão (natural): os quadros técnicos superiores ganham mais no privado que no público; o inverso sucede quando se tratam de trabalhadores menos qualificados. Segundo a imprensa, nada mais a assinalar! Nem sequer uma explicação acerca da forma como se chegou a estes valores. Apenas o olhar sobre os resultados de um estudo que aparece menos de uma semana depois de Passos Coelho ter atacado violentamente os funcionários públicos e os pensionistas, e ter usado, precisamente, estes argumentos para legitimar o corte nos subsídios de férias e natal (até porque já toda a gente esqueceu as horas extraordinárias que vão passar a valer metade no Estado).

Como já alguém disse, as médias são sempre muito perniciosas. Neste tipo de estudo é essencial questionar qual foi o universo-alvo. Terão sido apenas os funcionários públicos (e da administração local) ou estarão incluídos os trabalhadores das empresas públicas, institutos públicos, fundações ou outras entidades que têm regras de gestão autonomizada, muitas delas na esfera do direito privado? Repare-se que, em inúmeras instituições públicas, uma parte considerável dos contratos de trabalho obedecem a regras semelhantes às do sector privado e os ordenados não correspondem, efectivamente, às tabelas de vencimentos em vigor na administração pública.

Outro número que pairou sobre a cabeça dos portugueses ao longo da semana foi o das vítimas da medida criminosa defendida pelo Orçamento do Estado para o próximo ano: mais de 400 mil portugueses, sendo que (segundo o governo) 88% dos pensionistas ficam fora da medida (será porque têm pensões que não atingem o ordenado mínimo nacional?).

Por entre os números, dados como estes escamoteiam os baixos salários que se praticam em Portugal, fragmentam o universo dos trabalhadores, corrompem a razão e legitimam uma medida que, evidentemente, também vai ter repercussão no sector privado. A imprensa portuguesa, cada vez mais amorfa e obediente a vontades estranhas à liberdade e ao direito de informar, vai fazendo o jeito e, assim, contribui para a desinformação. À boa maneira da propaganda de guerra!


Apenas uma nota: às declarações de Passos Coelho, parafraseando Cavaco há mais de dez anos - ele que, por sua vez, usava a imagem do Leviathan de Hobbes -, “atacar o monstro” não pode ser destruir o País. Neste momento, o “monstro” é o sistema com que este governo pactua e, pior ainda, protege à custa de empurrar Portugal para o sub-desenvolvimento.

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