quarta-feira, 10 de junho de 2009

Notas sobre as Europeias (II)


Reconheço que parte do meu último texto sobre as Europeias se tornou praticamente obsoleto logo no dia a seguir. Na verdade, e apesar da minha formação académica enfermar em tentações cientificas muitas vezes arriscadas, como o recurso a sondagens para apontar resultados previsíveis, não tenho por hábito guiar-me por este tipo de estudos (venham eles donde vierem) para aferir os pulsares da política, até porque não me parece que esse tipo de exercícios matemáticos aplicados à vontade ou à escolha das pessoas sejam capazes de produzir resultados estritamente científicos. Para não alimentar polémicas, até sou capaz de nutrir respeito por quem os persegue, mas, permitam-me que me mantenha céptico, independentemente da minha admiração por quem não desiste da objectividade dos números atingidos enquanto resultado de exigências metodológicas honestas. De facto, as sondagens pré-eleitorais relativas ao acto do passado domingo revelaram-se de uma assertividade desastrosa. Nada de inédito, é certo, mas desta vez, talvez pelo desenlace final, poucos se escusaram em apontar as insuficiências das previsões, colocando em causa desde o método à objectividade com que são trabalhadas as amostragens e consequentemente os resultados por elas produzidos. Em suma, eu próprio caí na armadilha das sondagens e com base nelas adiantei uma derrota do PSD e do seu candidato, independentemente do empate técnico que se apontava. Não foi assim. O PSD ganhou as eleições e Paulo Rangel, um candidato aparentemente fraco ganhou margem para que fazedores de opinião o catapultem para voos nunca dantes imaginados.

O álibi da abstenção foi bradado pelos técnicos de sondagens como causa primeira para o falhanço. Mas é esse mesmo álibi que parece servir ao actual partido de poder para desvalorizar a votação histórica conseguida pelos dois partidos à esquerda do PS. A lógica parece assentar num acto eleitoral que mobilizou maioritariamente quem quis votar contra o governo. Até parece aceitável mas, ao vermos o Bloco de Esquerda e o PCP a ultrapassarem juntos a barreira dos 20% dos votos parece legítimo e politicamente honesto tirar ilações. É que para além do voto de protesto, é premente equacionar que há uma franja cada vez maior de eleitores a não se reconhecerem na política de sempre, simbolizada em PS, PSD e CDS.

A ultrapassagem em número de votos e mandatos pelo BE ao PCP (apesar da margem ser mínima) é evidentemente um facto inédito no panorama político nacional, uma vez que nunca o PCP se viu ultrapassado à esquerda. Apesar do excelente resultado da CDU, há naturalmente, para o PCP, um incómodo compreensível nesta nova arrumação do quadro partidário português. A grande dúvida é se o resultado eleitoral do BE é consistente noutro cenário eleitoral. Independentemente do elevadíssimo valor da abstenção, crê-se que o crescimento eleitoral do BE se deveu, sobretudo, a uma canalização de votos de simpatizantes do PS que aproveitaram a eleição em causa para mostrar o seu desagrado com a actuação governativa. A ténue aproximação do militante e deputado socialista Manuel Alegre ao partido de Francisco Louçã poderá também ter tido algum impacto na votação obtida uma vez que os “alegristas” não se cansam de valorizar o resultado conseguido pelo poeta-deputado nas últimas presidenciais em oposição ao seu próprio partido. E o certo é que este resultado do BE tem forçosamente uma ligação clara com o paupérrimo resultado obtido pelo PS. Por tudo isto, será extremamente interessante verificar o fenómeno BE nas legislativas e já agora saber como se comportará o eleitorado consistente do PCP em oposição ao eleitorado mais volátil do BE num cenário com uma previsivel menor abstenção e com outras e mais relevantes dinâmicas em causa.

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