terça-feira, 19 de abril de 2011

48

Entre as múltiplas inquietações colocadas ao espectador perante 48, a primeira talvez seja perceber o que é que a fotografia mostra e, simultaneamente, oculta, sugerida pelo tipo de emoção que assalta o oprimido no momento em que o opressor o faz pousar para um retrato. Cada foto de cadastro vinda dos arquivos da polícia política tem um rosto que conta uma história maculada de dor, sofrimento, humilhação e medo; mas reserva, também, uma inacreditável capacidade de resistência perante a violência. Porque, assim se pode contar a história de um país ao longo de 48 anos de ditadura.
Aclamado em dezenas de festivais de cinema nacionais e internacionais, vencedor de vários prémios – incluindo o Grande Prémio do Festival de Réel, em França, e o Prémio FIPRESCI no Dok Leipzig, Alemanha –, o filme de Susana de Sousa Dias parte das fotos de cadastro dos presos políticos para estruturar, através da imagem, ou na ausência dela, e da palavra, ou nos silêncios, um olhar transversal sobre a ditadura. Não se confinado apenas à experiência da tortura exercida nos cárceres da PIDE, o filme propõe, pela sua cadência e forma, um convite à reflexão prolongada sobre o modo como o regime manipulava a ordem social, se impunha na vida privada e exercia o poder através do medo e da violência.

excerto do artigo publicado na edição 208 da Lisboa Cultural, de 18 de Abril de 2011

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