Interessa, portanto, desmontar com clareza esta estratégia de propaganda omnipresente acerca da inevitabilidade dos planos de austeridade. Não é inconsciência nem irresponsabilidade dos sindicatos oporem-se com toda a firmeza às soluções encontradas pelos governos para responder a uma situação que ninguém ousa considerar fácil de resolver. A crise existe de facto, e a situação agrava-se, mas é necessário não esquecer que, em 2008, a opção dos governos passou por injectar (muito) dinheiro dos contribuintes na salvação do sector financeiro. Em economias mais fragilizadas, como a portuguesa, a medida revelou-se desastrosa para as contas públicas e agravou naturalmente os défices. Os “riscos sistémicos” que justificaram a salvação de alguns bancos, e a injecção de capital público (ou seja, dinheiro nosso!) em todas as instituições bancárias, foi trágica, uma vez que arrastou outros sectores para uma crise profunda.
De modo a legitimar a atribuição de “prémios” aos agentes do agiotismo e da especulação que provocaram a crise, os decisores recorreram ao exemplo da “crise de 1929” quando os Estados deixaram falir bancos e as economias aprofundaram a crise. Assim, pôs-se em marcha um plano de salvação das instituições financeiras porque, alegadamente, continuariam a ser mantidas linhas de crédito para os outros sectores da economia. O resultado é sabido: os bancos acabaram por dificultar o crédito, estrangulando toda a actividade económica, e reforçaram ainda mais o seu poder económico e financeiro, tomando os Estados reféns dos seus próprios interesses. Um pouco por toda a parte, os lucros da banca aumentaram e os seus accionistas ficaram ainda mais ricos.
Mantendo os privilégios do sector financeiro intocáveis e assumindo despudoradamente os interesses dos grandes grupos económicos, a União Europeia virou-se, sobretudo, para as economias periféricas da zona euro, impondo medidas de austeridade que se reflectem no trabalho, no emprego e no nível de vida das populações. Acessoriamente, assiste-se à tomada de parcelas de soberania dos Estados e ao ataque mais feroz contra direitos fundamentais do Estado Social de que há memória. Entendendo ao serviço de quem está a União Europeia, percebe-se que o caminho tem de ser de ruptura com este estado de coisas, imputando a austeridade aos obreiros da crise e, em primeira instância, reformando o sistema, através do ataque à economia paralela e aos mecanismos de fuga de capitais dos Estados.
Pela transversalidade social dos efeitos da austeridade, a jornada de luta europeia de 29 de Setembro assume-se como um momento decisivo no combate às políticas que conduziram, e se perfilam continuar a conduzir, à crise e ao empobrecimento os povos da Europa. A dimensão internacional do protesto é uma demonstração de revolta por uma situação limite, onde cada vez mais se reconhece o falhanço do projecto Europeu delineado em Bruxelas e as políticas neo-liberais exercidas pelos governos europeus, ao serviço dos interesses dos grandes grupos económico-financeiros.
Por tudo isto, a participação na jornada de luta de 29 de Setembro perfila-se como um dever cívico dos trabalhadores portugueses.
(*) Também a Irlanda prepara paralisações e manifestações, sendo que foi, recorde-se, o primeiro estado membro da zona euro a reduzir vencimentos a funcionário públicos. fotos: FB